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Entrevista | Na luta contra o cancro

CANCRO: UMA LUTA QUE NÃO TERMINA
Cancro: uma palavra forte para uns, uma realidade para outros. Milhões de pessoas veem-se confrontadas pela doença, ou porque sofrem dela ou porque algum familiar a tem.

Silencioso e mortífero, pode ser explicado como uma proliferação anormal das células. Apesar de ser mais comum a partir dos 50 anos, ocorre em qualquer idade, sem pré-aviso e, muitas vezes, de forma fulminante.

Não se sabe ao certo as causas, mas sabe-se que existe um conjunto de comportamentos e hábitos que potenciam o risco de incidência. Falamos de vícios, como o álcool e tabaco, uma alimentação errada, rica em açúcar e gorduras e pobre em legumes e vegetais, excesso de peso e pouca atividade física.
No seguimento da comemoração do dia mundial da luta contra o cancro, entrevistámos Ana Maria. Leia a sua história, a sua batalha e de que forma a triste notícia abalou a sua vida.

- Ana, como foi descobrir que tinha cancro?

Sempre fui saudável, desde criança. Não me lembro de ter uma gripe sequer. Fazia exercício, não fumava, comia regradamente. Na minha família não havia historial da doença. Aliás, a saudabilidade era hereditária. Os meus avós, inclusive, faleceram de velhice, à exceção do meu avô paterno, que morreu num acidente de trabalho.

Fazia mamografias com regularidade, o normal recomendado pelo médico de família, mas nenhuma revelou algum problema. Posso dizer que quem descobriu o carocinho foi o meu marido. Eu nunca tinha reparado. Marquei imediatamente consulta no ginecologista e ele disse que era normal. Explicou-me que, durante a amamentação, surgem alguns nódulos, mas que depois desapareciam.

O tempo foi passando, a Bia deixou de amamentar, mas o alto continuava lá. Comecei a ter comichão, sentia calor no peito e reparei que deitava um líquido que, definitivamente, não era leite. Fui ao hospital e marcaram-me logo uma biópsia. Daí ao diagnóstico, nem sei ao certo o que se passou, pois nunca recuperei do choque.

Jamais me vou esquecer do momento em que me disseram “tem cancro da mama e vai ter de fazer uma mastectomia”. Consigo visualizar a expressão da médica, o consultório, a hora marcada no relógio, foi como se o tempo tivesse parado. Pior foi contar à minha família. Organizei um jantar com os meus pais, irmãos e respetivas mulheres, cozinhei o meu prato preferido, fiz uma sobremesa deliciosa e até me dei ao luxo de comprar uma garrafa de espumante. Pensavam que eu os ia presentar com uma boa-nova. Só agora percebo o quão sadomasoquista fui.

No fim da noite, antes de irem embora, todos sentados em torno da lareira, larguei a bomba. Não me recordo das reações, porque saí a correr da sala. “Quem faz uma coisa dessas?”, devem estar vocês a pensar. Eu fiz e nem consigo explicar porquê, mas acho que senti que deveria fazer o meu funeral em vida.

No fundo, martirizei-me o mais que pude. Rapei o cabelo antes de ser operada, tirei fotos de todo o processo e comecei a desleixar-me. Eu, que sempre fui tão feminina, rasguei todas as minhas roupas, deitei fora a maquilhagem, doei malas e sapatos.
O meu marido deixou-me, mudou-se para casa da irmã e levou a Bia com ele. Quer dizer, ele não me deixou, mas precisou de o fazer pela nossa filha. Eu não estava bem. Nem estou. Nem vou ficar.

- Como assim não vai ficar bem... a operação não foi bem-sucedida?

A operação não correu bem. Em vez de um peito, tiveram de me retirar os dois e descobriram mais metástases noutras partes do corpo. Fiz quimioterapia, radioterapia e psicoterapia. A verdade é que a medicina chegou tarde demais. Posso culpar o médico que me disse que era um nódulo da amamentação? Posso e faço-o. Quem sabe se tivesse agido mais cedo as coisas poderiam ter sido feitas de outra maneira.

Sei que vou morrer, em breve. Não tenho hora marcada, nem dia, mas é uma questão de meses. Como lido eu com isso? Como aqueles que amo lidam com isso? Com muita dor e sofrimento diário. É uma contagem decrescente em câmara lenta que, todos os dias, nos impede de viver. Já pensei em matar-me, mas não consigo. Sou egoísta. Quero passar o tempo que tenho com a minha família e amigos. Quero ver a Beatriz crescer até que possa lembrar-se de mim. Espero que aconteça.

- Conte-nos como é a rotina de alguém que vive contra o tempo.

Passo muito tempo no IPO, não só a receber cuidados como a apoiar pessoas em situações semelhantes à minha. Faço questão de ir sozinha. Comecei a escrever um blog. Desabafos, conselhos. É a minha melhor terapia. Quando não estou a ser doente, sou mãe. Brinco muito com a Bia, conto-lhe histórias, canto até que adormeça. Tiro-lhe imensas fotografias e escrevo-lhe cartas, para que ela, quando crescer, saiba o quão amada foi por mim.

Quanto mais dias passam, menos me apetece ver pessoas. Dispenso palavras piedosas, olhares de compaixão. Detesto ouvir “lamento”, quando não sabem o que é sentir o que eu sinto. O que mais me custa é ver os meus pais e o meu marido a viver intensamente a minha doença. Sempre fui muito mimada e nem quero imaginar o sofrimento que lhes vou causar quando partir.

O momento em que se recebe a notícia não é o pior das nossas vidas. Piores são os que vêm depois. Digo que é uma luta que não termina, porque ela não é só minha. No dia em que eu perder esta batalha, outra vai começar, e chama-se “luto”.
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