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As vozes que saem da ilha

As vozes que saem da ilha
Los Silencios, de Beatriz Seigner

O filme de Beatriz Seigner nos conduz por águas escuras.
Los Silencios é um filme sobre fugas. A fuga para longe da guerra. A fuga de encarar o luto e o sofrimento. A fuga para um possível paraíso.
Através das águas somos conduzidos por essas rotas de fuga. Num pequeno barco, Amparo leva o que restou de sua família.
As tensões políticas da guerra na Colômbia e a busca por um novo refúgio são o pano de fundo da história. Estratégia narrativa recorrente quando o desejo é abordar conflitos políticos sem falar diretamente deles. Retratar subjetivamente o que é externo e move os sujeitos.
A ilha - o não lugar - é onde encontramos as personagens. Há quem sempre esteve na ilha e há aqueles a quem a ilha foi o que restou.
A fala das personagens dá ao filme, em alguns momentos, um ar documental. O real e o fictício misturam-se. A estória é inspirada na História. Dos moradores da própria ilha de Tabatinga e de tantos outros lugares. O não lugar é lugar existente. É matéria.
A fala tem poder. No filme, é através dela que os mistérios explicam-se. O silêncio é o lugar do luto, uma tentativa de fuga da dor. Quandos os silêncios rompem-se as dores são encaradas. A figura de Nuria é síntese disso.
A garota que está sempre ao lado da mãe, Amparo, parece invisível. Seu silêncio  guarda todas as chaves. É ela que vê pela primeira vez a aparição do pai desaparecido e acompanha de perto a trajetória da mãe em busca de um futuro possível. Lembro-me então da música Mama Says, da dupla franco-cubana Ibeyi. A cria - substantivo feminino - preocupa-se com a sobrevivência da mulher que está só e por isso continua a seu lado.
Diaz, o pai desaparecido, também guarda o silêncio. Sua voz, no entanto, faz-se ouvir no comportamento do pequeno Francisco, segundo filho da família, e são a razão de novas tensões na vida de Amparo. As aparições de Nuria e Diaz são polarizadas inversamente e são tensionadoras das imposições de gênero.  
O acalanto da sequência final acontece com a reunião dos mortos e vivos nas mesmas águas. A ilha se torna uma metáfora de resistência contra o esquecimento. A ilha pode ser qualquer lugar.
E as pessoas ficam.
Resistem.

Por Mariana Souza.
As vozes que saem da ilha
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As vozes que saem da ilha

Texto escrito para o laboratório de crítica de cinema do Berlinale Talents durante a 20ª edição do Festival do Rio.

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