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As Coisas que mais gosto na vida

As Coisas que mais gosto na vida
- vinde sofrer comigo de mãos dadas -

                 Nota: grande parte dos textos foram originalmente publicados no Jornal Universitário do Porto, 
tendo-lhes sido feitas algumas melhorias. As versões anteriores podem  ser aqui consultadas. 


A Proposta:


Nesta rubrica irei abordar temas fofos, exclusivamente. Tudo o que me faz contrair os músculos da cara para produzir aqueles meus ternos sorrisos, tudo o que me dá aquela alegria imensa de viver, que às vezes até maça. Enfim, tudo aquilo que me rodeia e que acho deveras belo e bonito será aqui meticulosamente escrutinado.

Prometo falar de gatinhos recém-nascidos, de hamsters de boca cheia a cuspir sementes, das risadas das criancinhas, de cachorros Basset Hound com os olhos esbugalhados e, claro, do Nel Monteiro, do Júlio Isidro e do Goucha!

Vamos, portanto, cobrir a vida de tons cor-de-rosa; e, se possível, pintar o arco-íris na testa e nas bochechas… Venham daí, amigos! 

em Jornal Universitário do Porto, 7 de Outubro de 2015

I - Breve ode aos gunitas


Queria começar por maravilhar-me publicamente com um subespécie de Homos gunantis: os que andam de telemóvel na mão a partilhar música com todos os seus ilustres concidadãos – horrenda por sinal! Ele é nos autocarros, ele é no metro; eles andem aí, podendo mesmo aparecer ao virar de cada esquina!

Falamos de uma situação mais grave e tortuosa, a meu ver, que Testemunhas de Jeová distribuidores de panfletos e outros derivados de fibra de celulose que possam fornecer a Salvação imediata ao leitor! Sem dúvida, prefiro mil vezes, e uma outra, ser assaltado pelos esforçados funcionários do Senhor a levar com aqueles biqueiradas tremendas nos meus canais auditivos.

Mais – como se todo este flagelo não fosse por si só suficiente, os indivíduos em causa ainda fazem questão de fechar a mão em túnel ali na zona de saída do som, de modo a ampliar um pouco mais ainda o sofrimento de todos aqueles que por azar com eles se cruzam. Era reunir uma equipa de corajosos voluntários – psicólogos, sociólogos, funcionários da Fnac… – capazes de explicar com toda a paciência a esta gente que a dado momento da História houve um tremendo passo evolutivo, revolucionador de toda a civilização, que foi a invenção de auscultadores!

Eu não sou a favor de holocaustos – acho uma coisa tremenda, desumana – mas que exterminava, exterminava.

em Jornal Universitário do Porto, 7 de Outubro de 2015

II - Paralímpicos coloridos


Colour Runs. Eis um conceito que me ultrapassa completamente e, por vezes, inclusive, deixa-me estupefaciente de todo!…

Pagar para correr, logo aí começa a coisa a tornar-se-me ininteligível (di-lo um exímio preguiçoso que só corre para apanhar o autocarro, em caso-limite)! ”Ai ai, mas é muito giro porque nos despejam coisas em cima”, eis o factor que supostamente vem revolucionar o debate. Bem, se for pela sujidade em si – damos as mão, vamos todos para o jardim, aspersor a funcionar a todo o gás e toca a rebolar! É de facto imensamente hilariante (perante esta imagem, encontro-me radiante, a esboçar um sorrito do tipo AVC). Se é por ser tinta em específico… não é que esteja muito dentro do assunto, nem queria entrar em grandes marketings mas, sei lá, o Pingo Doce há-de vendar uns corantes mais baratuchos (não fossem estas Corridas Coloridas caríssimas, as marotas)... Ou somos demasiado possidónios para expor a nossa pele a productos Pingo Doce?


Pelos direitos das t-shirts à integridade e para evitar que este conceito maligno se alastre a outros tipos de eventos (que depois fica tudo sujo, cheio de tinta e pessoas muito contentes), batamos com o punho na mesa e clamemos: Não mais, basta!
Entretanto lembrei-me de que estou a atacar um evento de caridade... Que falta de altruísmo da minha parte! A questão que se põe agora é: irei eu permanecer no jornal?

em Jornal Universitário do Porto, 7 de Outubro de 2015

III - Trofa alé


A Trofa. Acho encantadora! Aqueles prédios de seu tom rosa-ressequido, a arquitetura ao gosto Complètement aléatoire; tudo aqui é digno de admiração profundíssima…

No fundo no fundo, não podemos julgar aqueles que edificaram esta cidade que, pelos vistos, não estava suficientemente longe de Ermesinde… É que a atrocidade urbanística é uma doença contagiosa que se alastra sem dó nem piedade; bem se vê.

Ao passar pela Nacional 14, parece que os condutores começam a acelerar a olhos vistos, com pressa de acabar com aquele tormento que subitamente os assola, sendo que só as rotundas os travam. Quem, no entanto, devia gostar imenso de visitar este glorioso concelho era, se existisse, o grande Álvaro de Campos! Certamente ficaria excitadíssimo com as ruas esburacadas, os velhos edifícios com os vidros partidos e os inesperados descampados. Ouso ainda acrescentar: não tenho a menor dúvida de que escreveria uma ode ao Minipreço trofense! Talvez até um manifesto que definisse a missão da ilustríssima Sociedade Colombófila Trofense...

Resta-me referir ainda que a Trofa é palco de façanhas épicas e acontecimentos míticos como, por exemplo, aquela vez em que entrou um camião pela estação de comboios adentro; sendo esta, note-se, praticamente toda espelhada – estamos, portanto, a falar de um espectáculo visual de Ano Novo cheio de glamour, uma performance ao mais alto nível! E também daquela vez em que… pois, acho que para além do caso mencionado não se tem passado assim grande coisa… Mas talvez um dia a Trofa tenha um festival, que é uma coisa que medra em Portugal que nem erva daninha e mimosas!

“Trofa” – dá vontade de dizer! Trofa. De visitar… já é mais complicado (sem querer faltar ao respeito a primas de amigos, que lá vivem)…

em Jornal Universitário do Porto, 7 de Outubro de 2015

V - Não cabe na penca


Não sei se conseguirei expôr este delicado assunto sem evitar que se estimulem as minhas glândulas lacrimais… Não obstante, darei o meu melhor, prometo!...

O que me atormenta? É... não é fácil falar sobre... copos de champanhe! Trata-se, aliás, de um velho trauma. Desde a mais tenra infância que sofro com isto - vim a descobrir durante uma sessão de psicanálise de duas horas, dedicada exclusivamente ao tema "opressão à refeição e sobremesas reprimidas".

Começaria talvez por questionar: Quem foi o idiota responsável pelo vil design da velhaca peça vítrea em questão?! E que raio tinha ele contra pencudos? Se não gostava de pessoas portadoras de nariz aquilino, bastava não as convidar para as festas, não era preciso ter sido tão requintado e malicioso!

Exactamente!... É que há quem não consiga beber de uma entrância tão pequenina. Depois claro, está um gajo num aniversário, num casamento ou numa simples celebração tascal, chega à funesta altura de sacar do espumante para proceder à realização de um brinde… e como é que é?! Evidentemente, nós, narigudos, sentimo-nos excluídos; como que marginais numa sociedade elitista em que gente com bom olfato é ostracizada! Não, também não foi para isto que se fez o 25 de Abril!

Isto não é vida para mim, não compactuo mais com este escândalo! Nas flautas de champanhe não toco eu (quase conseguia um bom trocadilho); nem vê-las à frente! Se o Dantas teve de morrer tendo por carrasco a caneta de Almada Negreiros, pois que se acabe com esta brincadeira de mau gosto pelo verso também!


Cheira-me a manifesto revolucionário!…

Este é o meu grito de revolta,
não aguento mais:
casamentos, aniversários, regabofes – basta!
Morte ao Taittinger.

Todas estas celebrações
culminam fatalmente com o clássico
brinde de champanhe…
Não mais Dom Pérignon.

Esquecem-se, os rudes anfitriões,
que entre os convidados, assim como eu,
há gente com um nariz enorme!
Fora com o Veuve Cliequot Ponsardin.

Um pencudo, por mais que tente,
não consegue beber de um copo de champanhe,
que são tão estreitinhos na ponta!
Basta de Moët & Chandom Brut.

Nós que bem podíamos ser acusados
de ter roubado o nariz da Esfinge,
à hora do brinde, sentimo-nos excluídos…
Pelo fim do infame recipiente e deste tremendo flagelo.

Por um Mundo com copos
que respeitem as pencas de grande porte!
Pelo direito de não mais ver descriminado
o meu extensíssimo órgão olfactivo!

Avante,
camaradas!
Venceremos,
cheira-me!…

em Jornal Universitário do Porto, 7 de Novembro de 2015


V - Do lado de lá de espelho nenhum


Esta vai ser a doer! Conto perder as estribeiras em dois ou três parágrafos. Exactamente, vamos escrutinar selfiesautopics (como preferirem), os acessórios que lhes estão associados e o raio que os parta a todos!

Eis-nos na era do viver para se mostrar que se faz e acontece, embora na prática não se passe grande coisa fora da realidade pixelizada. Ha!, usufruir do momento é para retrógrados! Importante importante é que toda a gente saiba que fomos à biblioteca (porque lá tem wi-fi), que almoçámos uma francesinha (agora até os pratos são fotogénicos; e nem precisam de ser de porcelana), que estamos na fila de trás da aula de Física dos Processos Biológicos a dormir e, claro, o mais imprescindível da lista, que estivemos na última Color Run! Pronto, não aguento mais permanecer neste parágrafo!

Deixou-se de ir ao jardim para passear, à praia para fazer castelos e anjinhos toscos na areia, ao restaurante para jantar algo-que-não-sushi; e assim sucessivamente… Tudo agora tem o mesmo objectivo: sessões fotográficas. O Mundo, todo ele, é a minha passerelle, e está repleto de fãs (taradões) sedentos de saber notícias minhas e eventualmente até pedir-me um autógrafo (efectuar uma simpática tentativa de assédio)!

Debatamos agora o pauzinho do cego, o último grito da tecnologia perfeitamente desnecessária. Portanto, o que a malta faz agora é largar umas dezenas de cobres para ter um bastão ridículo, no qual pode pendurar o seu complexo aparelho de telecomunicações à distância, munido de um botãozinho que irá proceder à captação de centenas de registos recordacionais da situação que podíamos simplesmente estar a desfrutar. Bestial! Levem o meu dinheiro! E, já agora, o cão também, que está sempre a ladrar.

Para manter a esperança na Humanidade tenho-me, nestes últimos tempos, concentrado numa história que ouvi numa jantarada algures. Eis a dita narrativa: “Era uma vez um sujeito que foi a Veneza e, durante o típico passeio de barco, decidiu recorrer ao famoso pauzinho de cego para pixelizar o momento. Ora Veneza tem muitas pontes… Nem mais, o zingarelho fotografante do nosso querido protagonista padeceu afogado na belíssima cidade dos canais”. Coitado, vai ter de se cingir à sua memória para recordar a plácida viagem… Onde é que já se viu?

Mnemosine, que é feito de ti, que cabes agora num cartão SD?…

Inté! (duck face)

em Jornal Universitário do Porto, 9 de Dezembro de 2015


VI - Quantos são?!


Acho fantástico quando chega à segunda quarta-feira do mês, prazo estabelecido com o jornal para a entrega de uns quaisquer escritos meus, e eu não tenho nada – nada de nada! É, de facto, algo que me cai no goto, vocês nem têm ideia…

A minha curiosidade prende-se com o seguinte: E agora, vão fazer o quê?! Vão-me bater? Por acaso, gostava que a malta da direcção e afins do Jornal Universitário desta ilustre cidade tivesse um par de Solanum lycopersicum suficiente para virem cá fora de mangas arregaçadas a ver se a gente entra em vias de facto!

Querem croniquinhas em plena época de exames? Só assim uma meia duziazinha de parágrafos?  É para chumbar às cadeiras todas por causa desta brincadeirinha?! Já agora, aproveitem o embalo e exijam-me um ensaio filosófico acerca da semente da batateira, que contenha um corolário que reflita sobre as frases “quanto mais suicidas há no Mundo, menos suicidas há no Mundo”, "quanto mais buracos menos queijo, quanto mais queijo mais buracos; logo, quanto mais queijo, menos queijo" e "se abrirmos um buraco numa rede, ela fica com menos buracos"…

Só por causa das comichões, vou-me pôr aqui com ordinarices. A ver se para o mês que vem continuam a querer material... Irei então citar duas adivinhas brilhantes que um ancião que vive na rua me declamou recentemente. Trata-se de um homem de infinita sabedoria; demolhada, por sinal, em brejeirice eloquente e refinada. Por cada perdigoto que mandava, ele tinha mais duas esclarecedoras lições de vida a acrescentar – ao desbarato! E olhem que foi a falar com ele que eu percebi que o Verão tinha definitivamente acabado!

Ora cá vão elas:

“Por que é que o porco anda sempre de focinho no chão, envergonhado?”

“Amar sem ser amado é como…?” (pista: rima)

Dispersões à parte, e continuando com o tema central deste meu devaneio: eu tenho direito a estragar as minhas quartas-feiras à vontade, não me podem obrigar a fazer algo produtivo! Vou fazer queixa ao Bush; ou ao outro dos cabelos Pantene cor-do-Sol-num-    -daqueles-dias-do-despontar-da-Primavera…

Na verdade, o que se passa aqui é que, se por um lado estou vazio de imaginação, por outro a minha alternativa é voltar aos estudos, raios os partam; de modo que optei por escrever esta bodega (não lhe poderia assentar outro epíteto, não tivesse eu nem tempo para mandar um singelo traque sequer, quanto mais para ter uma ideia minimamente útil para a sociedade)!…

Reparem, porém:

“O porco tem vergonha… Não é por ele ser porco: é porque a mãe dele é, efectivamente, uma porca!”

"Amar sem ser amado
é como limpar o cu
sem ter cagado!”

em Jornal Universitário do Porto, 16 de Janeiro de 2016

VII - Aos meus vizinhos; e aos dos outros, já agora


Séculos de Religião, Filosofia e Artes – misturados com uns bons anitos de Psicologia – amansaram o Homem, tornando-o não só numa criatura capaz de criar normas morais, como, inclusive, de ocasionalmente se dar ao trabalho de as cumprir. Porém…

Porém, um Ser Humano metido dentro de um elevador é um animal sem regras, uma autêntica besta sub-simiesca, enfim, entre aquelas quatro paredes é tudo uma cambada de bárbaros iconoclastas sacripantas! Quando nos vemos apartados daquele raio de quinze centímetros de atmosfera que necessitamos de guardar só para nós, é aí que estamos prontos para espetar um bufardo no primeiro vizinho que, amorosinho, ousar dizer: Olá, bom dia! Criancinhas e idosos incluídos. E se for preciso até levam com mais força! Não há inocentes.

Eu até sou o género de pessoa que tolera pessoas. Vou fazendo aquele esforcinho para fazer ouvidos moucos ao Sartre acerca da sua concepção de inferno e tal, mas não naquele cubículo! Ali não há conversa possível, nem se pode estabelecer qualquer réstia de empatia! Especialmente quando os fregueses ainda têm o descaramento de levar consigo sacos de compras. Aqueles nem-quatro-metros-quadrados são a selva, o cada um por si – e que arda o resto do Mundo!

Três em cada quatro Budistas aconselham qualquer indivíduo que padeça de mau humor a meditar enquanto verifica a caixa-de-correio e a fazer da subida até ao seu apartamento um acto solitário – isto podemos retirar de recentes interpretações das suas Quatro Nobre Verdades (toda a calma tem um fim, mais cedo ou mais tarde o sofrimento apoderar-se-á do indivíduo; o sofrimento tem origem na sensação de falta de espaço; se renunciarmos ao elevador, seremos livres; é, então, através das escadas o caminho da luz). De facto, parece-me que o melhor mesmo será seguir esta máxima ancestral. A ver se se evitam alguns homicídios desnecessários…

em Jornal Universitário do Porto, 9 de Março de 2016

VIII - De Coimbra, não com amor, mas com uma tremenda dor de pernas


Quem tiver tido paciência para ler o título todo, saberá que o tema deste mês é Coimbra.

Também os que se deram ao trabalho de ler o último parágrafo têm igualmente conhecimento de que neste chuvoso mês de Abril vamos debater o tema “Coimbra”.

E assim sucessivamente.

Não irei maldizer a cidade estudantil – não fosse ela ser deveras esbelta e um pouco mais até, ter um fabuloso ambiente que não se explica e, inclusive lá haver, numa rua em frente a um campo de futebol, um papagaio que se diverte lá da varandinha dele a sabotar os jogos, imitando o apito do árbitro.

Aqui a questão é outra: esta capital de distrito só pode ter sido desenhada por uma pessoa – Maurits Cornelis Escher. Ou só “Escher” para os vizinhos que com ele não partilhem elevador. Coimbra é a maquete do paradoxo das escadas intermináveis alguma vez construída. Porra! aquilo é sempre a subir! E como se não bastasse um dos pontos de referência é... As Monumentais. Adivinhem.... Exactamente! É uma escadaria enormíssima.

Tem jardins muito agradáveis.

A mãe de todas as Universidades Tugas (UT), banhada pela rio Mondego, tão aclamado por Camões, é também palco de grandes e emocionantes emoções (ou pensavam que só se pode ser feliz na Trofa?!), particularmente quando se tenta atravessar uma passadeira. Achei curioso os semáforos terem um sistema de contagem decrescente, que é para um gajo ver se tem tempo para rezar o terço antes de arriscar a vida na tentativa de atingir a outra margem do passeio, através de um oceano de asfalto no qual o atropelamento é altamente provável.

“Coimbra tem mais encanto na hora da despedida”... Pois tem! Isso vos posso garantir, porque do centro para a estação é sempre a descer! Finalmente uma descida. Ao apanhar o comboio até se me brotou uma lágrima cristalina com tamanha comoção!

em Jornal Universitário do Porto, 4 de Maio de 2016

IX - Rio da manga


Em pleno mês de Janeiro urge expor uma temática bem séria (agora não vamos brincar): mangas molhadas. Podem-me fazer de tudo: porem-me num autocarro em direção à Trofa carregado de gunas a ouvir tecnadas sempre ali a rasgar nos decibéis; amarrarem-me à fila da frente de um concerto do Pedro Abrunhosa; obrigarem-me a apanhar um elevador num arranha-céus, com a Cristina Ferreira a falar, a falar, a falar; ou a ter que dar inúmeros exemplos de coisas que não aprecio… enfim, qualquer coisa menos água nas mangas! Isso não! Não tenho estrutura mental para aguentar esse ultraje.

Está claro que no Inverno o drama assume proporções ainda mais trágicas. Ah, quando a água da torneira ainda está fria e um indivíduo durante a lavagem dos pratos permite acidentalmente o escorregar da substância líquida pelo pulso abaixo. É um dia estragado! Mais: é uma semana inteira perdida. Acabou, não falem mais comigo. A vida perdeu qualquer sentido. Como pode Deus existir num mundo em que a humidade tortuosa e permanente no antebraço é um fenómeno tão comum?!

Vejam este meu caso verídico. Uma vez apanhei uma pneumonia que culminou num internamento hospitalar e agora, em retrospectiva, tenho a certezinha que a causa foi mangas molhadas! Eu tinha ido lavar os dentes e caiu-me um bocado de pasta na camisola, o que me forçou a passar a sua porção mais distal por água. A febre veio logo pouco após. Na verdade é uma história que, claro, entre momentos deveras pouco agradáveis, até nem acaba mal de todo. A comida no hospital era boa e nunca me hei-de esquecer daquele bacalhau-à-brás. E lá ninguém me dizia que tinha prazos para entregar artigos.

em Jornal Universitário do Porto, 21 de Janeiro de 2017

X - Agora não posso salvar o Mundo, tenho scones a fazer no forno


O assunto de hoje é de tal forma sensível que me vou obrigar a beber um copinho de leite com soda cáustica, para não correr o risco de o comentar de forma demasiado apaixonada… Ora nem mais! Vamos falar de activismo caseiro.

No fundo este fenómeno é a modernização da hipocrisia-religiosa-neo-caridosa, só que como Nosso Senhor Jesus Cristo já não está tanto em voga, prosseguimos com a lavagem de alma – o fingir que andamos aí a praticar o bem a ver se alguém repara e se se comove – de forma ateia. Às vezes parece que a Humanidade não muda, só vai adaptando os seus vícios – variações de uma mesma barbaridade. Podem enforcar-se após esta frase bombástica. Têm aqui, uma vez mais, uma breve explicação de como fazer o nó apropriadamente.

O nosso ponto de partida é, portanto, a caridade cristã da trêta, aquela que visa comprar um lugar no Céu, frontline – para apanhar anjos e santos no mosh pit! Ele é encontrões em São Francisco de Assis, ele é empurrões no Santo Agostinho, ele é um wall of death lado a lado com a Santa Quitéria. Tudo a “esbardalhar-se” alegre e imaculadamente na eternidade! Só Santo Tirso é que, coitado, desde que lhe serraram as costas tem dificuldade em participar no crowd surf.

Depois, começámo-nos a cingir ao assinar de petições disto e daquilo. Heróis de caneta em punho! O maior sinal de pureza de espírito será então tendinites no pulso que escreve. Sem isso, São Pedro (o suga divino) barra-nos a entrada nos portões celestes. Actualmente, com os avanços tecnológicos, evoluímos para revolucionários de Facebook  – partilhamos massacres, pomos bandeiras estampadas nas nossas fotografias, tudo num gesto de estupendo altruísmo. E, claro, continuamos a assinar petições, que, entretanto, foram pixelizadas… Que máximo! Eis o activismo caseiro.

O fundamental mantém-se: para quanto mais longe canalizarmos a nossa “ajuda”, quanto mais abstrata ela for, melhor. Assim nunca corremos o risco de constatar que andámos apenas a perder tempo com patetices que em nada contribuíram para o nosso bem-estar nem o dos outros. Tempo esse que poderia ter sido utilizado em pequenas acções que subtilmente mudam para melhor aquilo que nos rodeia. E pronto, podemos finalmente mandar embora o sem-abrigo que nos interpela na rua (precisando talvez mais de uma simples conversa do que de qualquer outra ajuda), justificando que temos pressa e não podemos parar nem para olhar nos olhos, sem que com tal a nossa consciência fique ferida.


NOTA: Felizmente existem projectos de voluntariado cristãos absolutamente fantásticos e de grande mérito, portanto a crítica não se pretende prestar a uma generalização, mas sim dirigir-se a uma atitude muita específica, tida (espero eu) por uma minoria. Quanto às partilhas Facebookísticas, evidentemente que divulgar este tipo de informação não é vergonha nenhuma. É, sem dúvida, importante, mas parece-me que não se trata propriamente de um acto nobre em e enaltecedor por si só, ilusão essa que creio ser bastante comum na nossa sociedade. Não se julgue, ainda, que defendi que a ajuda só pode ser dirigida ao que nos rodeia. A minha opinião é que se estamos preocupados em desenvolver uma atitude altruísta perante vida, então jamais poderemos desprezar aqueles imediatamente à nossa volta. Agora, se o auxílio é para ser dirigido ao exterior, perfeito, mas sugiro que a forma mais autêntica de o fazer é ir lá aos quintos deitar a mão à massa.                             

em Jornal Universitário do Porto, 22 de Fevereiro de 2017

XI - À Rainha de Inglaterra


A felicidade era perfeitamente possível até se terem popularizado os Yorkshire terriers – esse crime contra a Humanidade! De todas as raças de cãezinhos que cabem no microondas, estes são para mim os mais desconcertantes. Nem sei porquê ao certo, mas sempre os achei particularmente aptos para serem inúteis de todo…  Por exemplo, um Pinscher deve ter noção da sua incompetência fenotípica; enquanto que os nossos Yorkshires deixam crescer aqueles cabelinhos em frente aos olhos, num gesto de negação, que lhes impede de tomarem consc iência do transtorno emocional que causam às pessoas à sua volta!

No meio tudo isto, talvez o que mais me espanta é ter haviado alguém que efectivamente se deu ao trabalho de apurar esta estirpe sub-bacteriana! Espero que os leitores (se os houver) estejam inteirados de que as raças não surgem assim num estalar de dedos, são precisos muitos anos de selecção artificial para isolar o conjunto de características que define uma marca canina. E, portanto, existiu um homem que decidiu dedicar uma parte substancial da sua vida para nos presentear com este magnífico espécime de cão rateiro! É Hitler, Stalin (ou ao contrário se preferirem), e depois este gajo! Contado não se acredita… 

Não deixa de botar alguma piada o facto de se tratar de um cão de caça… Que caçador o levaria consigo para o tiroteio?! Concerteza um sem bigode! Seria a chacota lá do couto! Todo larilolé com a camisa a condizer com os cartuxos.

Última queixa: esta é das raças que mais se presta ao uso de acessórios gravíssimos, nomeadamente casaquinhos impermeáveis e laçarotes encarnados. 

Chegámos, pois, à conclusão apaixonante de mais uma edição desta rúbrica que rigorosamente ninguém lê – se tiver em casa um Yorkshire terrier (ou outros semelhantes pequenos e desnecessários aspirantes a cães), pede-se encarecidamente que o ensine a aliviar-se na areia, qual gato, de modo a poupar-lhe a humilhação de o levar à rua e a não arruinar a hormonial social, que já é o que é. Atenciosamente. 

em Jornal Universitário do Porto,15 de Março de 2017

XII - Modern@_mente


Esta rúbrica hibernou porque eu tenho andado em pesquisas profundas. Contudo, creio estar agora preparado para dissertar sobre modernidade – esse fenómeno que não cessa de me espantar! Venho, pois, propôr a definição de duas formas de se ser moderno: intrinsecamente e extrinsecamente. Pode-se ainda considerar a existência de uma técnica mista.

Comecemos por dissecar o modo intrínseco. Os Irmão Catita sugeriram há uns bons anitos uma curiosa abordagem ao assunto: Ser moderno é olhar para um Picasso e, de repente, perceber logo o que aquilo quer dizer. O moderno intrínseco é por excelência o avant-garde (mas muito muito avant; lá longe, mesmo), a nata da finura da sociedade emergente, a supra-eloquência feita carne… Dizem maravilhas das novidades cinematográficas mais banais, e tecem críticas quase poéticas aos mais desinteressantes discos acabados de sair. Quem não entende é ralé. E eu por mim acho que não há melhor sinal na vida de que estamos no bom caminho, do que ser presenteado com o desprezo desta malta simpática!

Há os modernos responsáveis por não se poder debater coisa alguma, porque modernamente se instalou a complexa gíria do politicamente correcto (que é já quase um dialecto, com a sua escrita inclusiva e tudo), e quem não a domina é intolerante, rústico e tende para o lunático; enfim, é alguém a quem pedir – pouco democraticamente – silêncio.

E depois há os culpados por ser sempre um desgosto ir aos museus de arte contemporânea… É que se não exigirmos mais, muito mais!, do que mediocridade – mediocridade iremos encontrar em toda a parte. Ora, não há nada que o moderno intrínseco goste mais, do que montar altares em assuntos sem assunto para depois poder acusar os demais de serem uns brutos pacóvios que não compreenderem a genialidade das coisas. Reformulo: Vale a pena ir a tais museus, de vez em quando, só para apreciar ao que as pessoas se prestam para parecerem cultas! Noutro dia dei por mim rodeado de contemporaneidades, quase todas obsoletas, e encontrei duas ou três comadres que destrocavam em termos de neo-intelectualidade interpretativa. Apaixonei-me logo por elas enquanto esquartejavam uma daquelas obras mesmo à Tuga, com a clássica amálgama da glória de todos os séculos – D. Afonso Henriques a conquistar a Trofa, lá o coiso dos Descobrimentos, o gajo que tinha imensa miopia num olho, o Fernando Pessoa (marca registada), a tag team Amália-Eusébio, a Expo 98 (estou na maroteira, isso não)… – e tudo isto posto em tela de uma forma hedionda, pirosa… uma hecatombe! Pensei cá para mim: Bem, isto se eu for atrás das velhas, até que vai ser uma tarde bem passada! E assim foi que as segui até um quadro de uma enormidade (em termos de metros quadrados de mau gosto) de causar perplexidade – imagine-se uma catrefada sem fim de relógios de todos os tamanhos e feitios, amontoados num caos de ponteiros… Após cerca de dois minutos de contemplação intensíssima, surgiu o veridicto:

– Isto… isto é o tempo.

– Sim, é o tempo.

Obrigado, minhas senhoras, todo eu era riso por dentro; salvaram-me de uma crise de indignação estética! Nunca as esquecerei.

Ui, talvez me tenha alongado excessivamente… foi tanto tempo de ausência, que me entusiasmei. Adiante; falta esclarecer o Mundo no que toca ao moderno extrínseco. Este último não tem de ser necessariamente requintado, importa-lhe apenas acompanhar as modas. Repare-se que isto pode ser feito de forma perfeitamente não rebuscada – da qual se obtém o azeiteiro-tipo. Não nos demoremos, porém, a analisar a essência daquilo que é estar na moda, pois com isso perderíamos muito rapidamente toda a esperança na Humanidade – e eu aos meus leitores (por favor, ao fim de doze rúbricas não me digam que ainda há algum!) não desejo nada menos do que um padecimento lento!

Termino transcrevendo (mais coisa menos coisa) uma resposta que dei no exame de Evolução, na qual consegui (não sei bem como ao certo) incluir uma breve dissertação científica à volta desta questão da modernidade extrínseca. Pedia-nos o professor para definirmos selecção disjuntiva e dar um exemplo explicativo…

“(Uma vez apresentada a definição, blá, blá, blá), podemo-nos apropriar da Fisherian runaway selection para dar um exemplo prático. Este modelo sustenta a possibilidade de surgir em populações distinctas, ou no seio de uma mesma, diferentes preferências face a certos traços-chave, tendencialmente por parte das fêmeas (o que explica o misterioso aparecimento de homens com manga caveada, calças para baixo e caps, mesmo quando em interiores), e isto pode provocar desvios na composição genética da população ao longo das gerações – esperando-se uma redução da heterozigotia nos genes afectados pelas preferências. Este caso, levado ao extremo, pode conduzir a fenómenos de especiação (eu, por exemplo, gostaria de ser considerado uma espécie diferente dos tais homens de manga caveada, calças para baixo e caps em interiores).”

A técnica mista fica para TPC.

em Jornal Universitário do Porto,30 de Agosto de 2017

XIII - Gangue da ganga


Vamos lá ver aqui uma coisa: tudo bem que a ganga é a crème de la crème dos materiais para calças; e é também antropologicamente aceite que os casacos e os coletes de ganga são potencialmente estilosos. Até aqui, nada contra! Agora, ou se opta por uma coisa, ou pela outra... Ponto! Podemos sempre considerar... sei lá, as calças de bombazine (embora elas pareçam cartolina ondulada)... ou... leggings

É uma profunda falta de respeito para com toda a sociedade usar em simultâneo ganga nas pernas e no tronco. O que é que passa pela cabeça de alguém que veste um casaco de ganga em cima de umas calças da mesma?! Se há coisa que me põe desvairado é ter de levar com uma overdose de ganga! Se dependesse delas, as pessoas que se vestem assim, e que acreditam piamente que “o Homem é uma corda estendida entre o animal e a ganga”, mandariam alcatifar o Mundo inteiro com este tecido – esta gente é a única verdadeira opressão que eu reconheço na actualidade! E só parariam quando a ganga fosse visível do espaço, e os seres menos inteligentes do Universo (ou seja, aqueles que ainda não inventaram a ganga) passassem a parar no nosso planeta, o Planeta Levi’s, para comprar as suas calças, casacos e coletes. Vá-se lá saber quanto dinheiro foi já esbanjado na NASA em projectos cujo objectivo era procurar sinais de ganga nos anéis de Saturno; nas luas de Júpiter... Claro que, podendo, a máfia por trás deste complô desviaria todo o investimento na Ciência para a engenharia aeroespacial, argumentando que essa é a chave para apurar novos tipos de ganga e que o futuro da Humanidade depende disso – quiçá lá, além de Alfa-Centauro, poderemos encontrar... sapatos de ganga, brincos de ganga, chapéus de ganga! As possibilidades são infinitas até prova em contrário!

(Após efectuar uma breve pesquisa, constatei que todas estas invenções são já uma realidade... não me perguntem como reagir a isto!...)

Soluções práticas? Bom, para fazer face a esta atrocidade social, uma de duas: ou ressuscitamos a Santa Inquisição e começamos uma impiedosa purga a todos aqueles que não souberem utilizar a ganga com conta, peso e medida; ou legislamos ferozmente, estabelecendo um limite percentual de área superficial do corpo que pode estar coberta de ganga, aplicando chorudas coimas a toda a família de quem entrar em incumprimento. Infelizmente, chegámos ao um ponto em que temos forçosamente de tomar medidas deveras drásticas. Ai de nós se não estancarmos de imediato este prenúncio apocalíptico! Haverá choro e ranger de dentes; e boxers de ganga! Ou mesmo sutiãs!


Portanto, lembrem-se: sejam responsáveis, usem a ganga com moderação! Não me enervem.

publicado originalmente aqui a 20 de Março de 2020
As Coisas que mais gosto na vida
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Rubrica pateta acerca de Coisas da vida que frequentemente tendem a ser chatinhas. Vinde sofrer comigo!

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