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Os caminhos da escrita criativa

Os caminhos da escrita criativa

Construindo o cenário
Comecemos agora a falar sobre o cenário. Este aspecto há de ser pensado com antecedência, pois é ele que definirá o enquadramento da história. A localização geográfica e o lugar no tempo definem o seu cenário ou ambiente. 


Evidentemente que podemos desenvolver um romance de localidade nômade, ou seja, sem que haja um local fixo. Pode começar em Barcelona, passar por Montevidéu no clímax e findar, por que não, nas Ilhas Maldivas. Para tanto, serão arquitetados três cenários muito distintos, embora todos pertençam à mesma trama. Ou não. Sua história pode nascer na Terra de Ninguém e morrer ali mesmo. Sua história, suas regras.


Quanto ao lugar no tempo, a não ser que você tenha a pretensão de criar uma ficção científica com viagens ao passado ou ao futuro, costuma ser predominantemente fixo em determinada época. Digo predominantemente para lembrar que não é raro o leitor ser levado ao passado ou ao futuro em determinado ponto da história. Um exemplo clássico disso é Dom Casmurro, em que o personagem-narrador Bento Santiago conta sua trajetória de vida desde muito menino, quando tão novo se apaixona por Capitu, até a sua velhice. Apesar do correr do tempo, o predomínio temporal se encontra na infância de Bentinho na casa de Matacavalos. Se se remete ao passado, de modo geral, é artifício da mente do personagem que, por meio de lembranças (os comumentes flashbacks), revive abstratamente algum momento longínquo. O que quero dizer é que um personagem é incapaz de acordar numa manhã qualquer do século XXI, ir almoçar na França absolutista e, antes de voltar para casa, passar pela tensão do golpe militar de 1964 no Brasil - exceto se ele tiver uma máquina do tempo ou outra artimanha de ficção científica para se aventurar entre os séculos.
Mais alguns exemplos de cenário:

Um bairro de classe média em São Paulo, nos dias de hoje
Paris durante a Revolução Francesa
O reino mágico de Narnia
O centro da Terra verniano
Do cenário também fazem parte os detalhes. A descrição do ambiente e a exposição de suas peculiaridades - que somente o autor tem a sensibilidade de reconhecer - são imprescindíveis para dar vivacidade à história. Um castelo mal-assombrado jamais passará a sensação de mau agouro se o autor não comentar sobre como as paredes pareciam sussurrar maldições, ou sobre a atmosfera pesada como chumbo que chegava a esmagar o ar e o coração, ou ainda o fúnebre jardim que cheirava a cemitério e exalava o perfume das flores mortas.



Rascunhando
Agora que fomos introduzidos ao importante aspecto do cenário, organizemos as ideias. Segue abaixo um questionário orientador que ajudará você a construir o seu ambiente:


1) Como é a casa do personagem? E o bairro?
2) Revirando a casa dele: o que há na geladeira? O que há na estante de livros? E embaixo da cama? No armário do banheiro?
3) Onde ele viveu no passado? Como era lá?
4) Como era/é a família dele? Que tipo de hábitos havia/há entre os membros?
5) Seu personagem gosta da natureza? O que ele acha de estar em contanto com o campo? E com a cidade? Qual prefere?
6) Qual seu ambiente de trabalho?
7) Qual lugar serve de refúgio a ele quando quer relaxar ou apenas ficar só?
8) Que tipo de lugar o deixa desconfortável, um lugar que ele não queira estar de maneira alguma?
9) Qual lugar seu personagem desejaria conhecer? Quando o conhece (se o faz), atende às expectativas ou ele se decepciona?


Respondendo a essas perguntas, você terá em mãos, também, a chave para dezenas de conflitos, uma vez que é possível obtê-los facilmente a partir das características do cenário. 
O assunto não se esgota aqui; no próximo post, falaremos mais sobre os detalhes e como atiçar a perspicácia para enxergá-los.


Boa escrita!
Jéssica Damas

Colaboração: creativewriting@williamvictor.net
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