“De busão e no braço”
Conheça a história de Liliane Arouca, uma cadeirante que mostra que a Savassi, assim como toda BH, não é acessível.
 
Nicolas Andrade
Esta é a Lei: o Artigo 5º da Constituição Federal garante o direito de ir e vir de todos os brasileiros. Qualquer cidadão, tenha ele deficiência ou não, deve ter o direito de chegar facilmente a qualquer lugar. Mas quem é deficiente físico sabe que nem sempre isso acontece. No Brasil, cerca de 13,3 milhões de brasileiros possuem algum tipo de deficiência motora, de acordo com dados do último Censo. A pedido do naSavassi, a aposentada Liliane Arouca percorreu alguns trechos da região para mostrar que por aqui, mesmo com a revitalização, há muito o que melhorar.
Deficiente há nove anos por causa de lesões medulares provocadas pelo agravamento da esclerose múltipla, Liliane diz que passou a ver o mundo de modo mais “horizontal” e, na maioria das vezes, se sente invisível. “Alguns se fazem de cegos e surdos, ou simplesmente nos ignoram”, reclama. “É triste, me doi, é ruim sim, mas eu não me deixei ficar parada, estacionada em casa. Me considero uma pessoa entusiasmada. Então se estou viva e e respirando, eu posso me virar”, completa.
As pessoas que possuem a mobilidade reduzida, em geral, transitam por Belo Horizonte com dificuldade, inclusive na Savassi. Por aqui, ela conta que é impossível não gastar menos de 20 minutos para atravessar os cruzamentos das Avenidas do Contorno e Nossa Senhora do Carmo. Além do tempo curto dos semáforos, os motoristas que trafegam em em alta velocidade pelas avenidas trazem insegurança. “Eles não tem paciência para esperar nem quando estão parados no semáforo”, conta.
Apesar das calçadas largas com pontos de acesso para cadeirantes, ainda há muitos desníveis e pequenos degraus, que transformam cada centímetro em verdadeiras montanhas. A conversa acontecia em frente a uma tradicional lanchonete da rua Paraíba, até que o dono do estabelecimento pediu para que nos retirássemos, pois a cadeira de rodas estava atrapalhando a circulação da loja. Um detalhe: Liliane havia sido atendida no meio da calçada, porque na lanchonete não havia uma rampa.
Sugeri que ela fosse a um famoso bar da região, pedisse um suco, e em seguida, para usar o banheiro. Ao entrar no estabelecimento, Liliane encontrou uma rampa de acesso e um garçom que a ajudou a entrar. O problema foi na hora de usar o banheiro, que fica no segundo andar e o único acesso é feito por uma escada. Liliane saiu do local sem usar o toalete. O garçom e o gerente lamentaram não ter condições de levá-la e deixaram o suco por conta da casa como um pedido de desculpas.
Em um outro teste realizado, Liliane foi a uma padaria e novamente encontrou dificuldades. Logo na porta, há um degrau de 12 centímetros. Para entrar, ela pode contar com a ajuda do economista Rodrigo Castriota, que lanchava no local no momento. Para ele, os locais deveriam ser mais acessíveis. “Eu ajudei porque vi que ela estava passando dificuldade. Eu acho que aqui poderia ter pelo menos uma rampa”, diz Rodrigo.
O economista Rodrigo Castriota ajuda Liliane a ter acesso à padaria
Ainda na padaria, Liliane pediu para usar o banheiro e mais uma vez não pode. No local, o banheiro destinado aos clientes não atende as normas da NBR 9050, da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas). Sanitários adaptados devem ter, entre as especificações, medidas mínimas para circulação dos cadeirantes e alças de apoio . No caso do banheiro da padaria, a cadeira de rodas, não passa nem pela porta.
 
O lanche que Liliane pediu, ficou novamente por conta da casa. Apesar dessas gentilezas, ela não se sente bem e diz que não quer que os donos de estabelecimentos tenham pena de sua condição de cadeirante. “Eles esquecem que nós somos consumidores como quaisquer outros, pagamos impostos, temos que votar. Ações pequenas como essas, já garantem o mínimo de dignidade que a gente precisa”, diz.
Dificuldades para retornar para casa: nem todos os ônibus da linha que Liliane pega estão equipados com elevadores
Para ir embora para casa, Liliane teve que pegar um ônibus. Ela não pode embarcar no primeiro coletivo da linha 9250 porque não tinha elevador. Por sorte, havia outro logo atrás com o equipamento. Mas nem tudo estava resolvido: para embarcar, ela teve que pedir ajuda para descer o meio fio porque o ônibus parou muito distante da calçada. Vencida a montanha do meio fio, hora de se despedir. Com mais uma ajuda, talvez a penúltima do dia (ainda resta o desembarque), ela agradece ao motorista, a mim e aos que ajudaram embarcar no ônibus. O motorista arranca, e nossa tarde se encerra ali.
 
Quando começamos a entrevista, perguntei a ela como ela veio parar na Savassi, e ela disse: “de busão e no braço”. Apesar de todas as dificuldades, a aposentada não desanima. Os avanços nas pesquisas com células tronco para que ela recupere os movimentos das pernas, representam para ela, uma esperança ainda distante. Por enquanto, a força do “muque” é que Liliane tem para transpor barreiras e continuar sobrevivendo.
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