J. Pedro Martins's profile

ESPAÇO INTERIOR (ou será exterior ?!...)

A PARTIR DA EXPOSIÇÃO HELENA ALMEIDA
"A minha obra é o meu corpo, o meu corpo é a minha obra" 
 
 
 
Uma das características do trabalho de Helena Almeida é o facto de ter eleito o seu corpo como o corpo da sua obra.
A partir de um dado percurso por mim definido na exposição "A minha obra é o meu corpo, o meu corpo é a minha obra" presente em Serralves decidi analisar a forma como o(s) espectador(es) interage(m) com a(s) obra(s) da artista. Como refere, Isabel Carlos em Helena Almeida | Dias quasi tranquilos (2005), "enquanto espectadores não temos acesso ao decorrer das acções de um modo presente. Reconhecemos estas acções de um modo diferido - depois de elas se terem produzido, depois de terem sido pensadas e traduzidas em gesto e rematadas plasticamente. Essa distância - que vai do que "aconteceu" até ao que "vemos" - é já da ordem do mundo da fotografia, da ordem do mundo das técnicas de registo e reprodução."
Mas, nestes "espaços habitados" nos quais a artista rompe com o plano pictórico onde se situa afinal o espectador que é cativado pela(s) obra(s)?
É aglutinado pelo espaço interior?!...
Ou, mantém distanciamento num dado espaço exterior?!...
ESPAÇO INTERIOR (ou será EXTERIOR)?!...
 
"A exposição “Helena Almeida: A minha obra é o meu corpo, o meu corpo é a minha obra” apresenta-nos o trabalho de pintura, fotografia, vídeo e desenho desta artista dos anos 1960 até à atualidade, salientando a importância do corpo — que regista, ocupa e define o espaço — e sua capacidade expressiva. Desde o início da sua carreira que Helena Almeida explora e questiona as disciplinas tradicionais, procurando constantemente romper com o plano pictórico e rejeitando os limites físicos da tela ou da folha de papel para, através do desenho, da pintura e da fotografia criar “espaços habitados”, onde a realidade e a representação se confrontam. Como a própria artista afirma: “Nunca fiz as pazes com a tela, o papel ou qualquer outro suporte. Creio que o que me fez sair do suporte, através de volumes, fios e de muitas outras formas, foi sempre uma grande insatisfação em relação aos problemas do espaço. Quer enfrentando-os, quer negando-os, eles têm sido a verdadeira constante de todos os meus trabalhos. Creio estar perto da verdade se disser que pinto a pintura e desenho o desenho” . Desde o início da sua atividade que o seu desejo em perturbar a condição bidimensional da pintura é evidente. Numa série de telas sem título que realizou em 1968–69 deparamo-nos com o processo de desconstrução dos suportes tradicionais. Apresenta a tela, ora enrolando-a e prendendo-a como se de uma mera cortina se tratasse, ora exibindo-a como se fosse uma estrutura mole que tivesse cedido ao próprio peso, ou ainda apresentando-a intacta, deixando ver o outro lado do quadro, a grade, tanto numa pintura-porta como numa tela translúcida. Enquadráveis nesta série estão também outras obras, presentes na exposição, como uma tela cuja moldura se deslocou da pintura, e uma outra com telas coloridas penduradas de um saco transparente, como dejetos ou a matéria da própria pintura. “Comecei com uma linguagem familiar (…). Não ia fazer arte abstrata, e pouco a pouco todos estes elementos começaram a sair do quadro. Depois, a tela começou a autodestruir-se. Era uma espécie de destruição, uma necessidade de acabar com a pintura (…) como uma janela que se abre, uma persiana que se enrola, uma tela que se estica (…). Digo a destruição da pintura porque a tela acabou por ficar antropomórfica. Acabou por identificar-se comigo.” A partir de 1968–69 a artista utilizou os materiais da pintura como se fossem extensões do seu corpo, fazendo-se fotografar nessa ação, introduzindo uma dimensão performativa no seu trabalho. Uma perna, um pedaço da cabeça, num dos casos, ou o seu corpo sob uma figura construída em tela, noutra imagem. A obra Tela habitada de 1976–77, é disso um exemplo. Foi também neste período que a artista começou a produzir uma série de desenhos escultóricos, aplicando fio de crina de cavalo a trabalhos sobre papel ou cartão. Estes desenhos saltam para fora do papel projetando-se para o exterior, com o objetivo de tornar o desenho tridimensional e tangível, invadindo o espaço do espectador. Estes desenhos materializam- -se numa série que perdurará ao longo de toda a década seguinte. Os problemas formulados na década de 1960, são sintetizados pela artista num conjunto de obras executadas entre 1974–78. Com sua introdução, a fotografia constitui um meio ideal para explorar as lacunas entre a vida emocional interior e a imagem visível exterior. A artista atravessa para o outro lado do espelho e passa a habitar dentro da obra, a fazer dela a sua casa, o seu corpo. A transformação da linha em fio de crina (Desenho habitado), a inscrição de uma pincelada de cor azul numa sequência de fotografias a preto e branco (Pintura habitada e Estudos para enriquecimento interior), ou o ato de vestir a tela sugerem ações desenvolvidas pela artista, gestos e memórias. Relativamente à escolha da cor azul, a artista diz-nos que “Uso o azul porque é uma cor espacial. Se pusesse verde ou amarelo, ficaria um desastre. Ou castanho. Tem de ser azul. Às vezes ponho vermelho; é uma tinta que tem outros significados, é o peso. Uso-o quando não estou a querer fazer o espaço. Uso o azul para mostrar o espaço; ou quando abro a boca, aí ponho o azul. É mesmo o espaço, é engolir a pintura, é pôr o espaço na pintura. É agarrar na pintura... Tem de ser o azul.” 3 No final da década de 1970, as imagens de Helena Almeida explodem de dramatismo nas séries Ouve-me, 1978–80, Sente-me, 1979, Vê-me, 1979 e A casa, 1979. Nelas, o corpo da artista reaparece, mas ferido por palavras inscritas sobre a imagem. A palavra ‘ouve-me’ aparece como se estivesse cosida nos lábios da artista, reforçando o efeito de silenciamento. Imagens de Helena Almeida amordaçada, suturada ou abafada por uma tela contra a qual pressiona a boca e as mãos, inspiram leituras de opressão e ao mesmo tempo de controlo, trazendo reflexões ainda hoje relevantes sobre a voz da artista — e, ao mesmo tempo, sobre sua ausência. Na sua peça sonora Vê-me, regista o som produzido enquanto desenha, o propósito da peça não era “fazer uma gravação descritiva duma ação, mas sim dar a sentir o espaço em movimento; entrando e estando dentro das zonas vibrantes do desenho, diluímo-nos nele e com ele formamos um espaço físico, manipulado, dividido, cortado, cheio e vazio.”4 Na década de 1980–90 as imagens sofrem uma alteração de formato e escala. Em Negro espesso, de 1981, relaciona esta dinâmica dos opostos com o abismo entre a sua emoção interior e a sua imagem exterior. Envolvida por um vestido negro enorme a artista criou uma série de retratos em que parece ser engolida pelas roupas e empurrada para o limite do enquadramento — uma cabeça minúscula em cima de um corpo sem forma. Séries como Saída negra, de 1995 ou, sobretudo, Dentro de mim, de 1995–98, irão prolongar a imagem de ritualização da pintura e, também, a subversão cada vez mais radical do que diferenciava ainda interior e exterior, interioridade e exterioridade. Na série Dentro de mim de 1998, a artista já não olha para fora do quadro, para o seu espaço exterior. Parece cada vez mais ter integrado no seu corpo a própria matéria da pintura, como se expelisse um espesso pigmento negro que traça no chão linhas diagonais; as mãos e os pés arrastam vestígios de pintura no espaço esvaziado do ateliê. Um corpo absorvido no seu movimento, distraído de tudo, procurando perpetuar gestos outrora significativos, mas de facto sem qualquer significado, numa espécie de repetição mecânica. Da série de 2006, O abraço, faz agora aparecer duas personagens, de costas para o espectador, que se abraçam num esforço de aproximação dos corpos, que se contorcem porque têm de se confinar ao espaço exíguo de um banco. Tudo se torna esforço, tensão do corpo, em que este deixa de ter identidade para se concentrar antes na pura dimensão física do seu esforço sem motivo, sem razão de ser, cumprindo um destino absurdo. Nestes trabalhos a artista introduziu outra personagem, no caso Artur Rosa seu marido e colaborador de sempre. Sobre o assunto diz-nos que “ele é outro espaço. Ele é o que estava fora de mim. Eu estava cansada de fazer os dois espaços, e não havia maneira de dar bem. E depois, de repente, pedi ao Artur para me pôr a mão na cara e fotografámos. E depois o pé... Tudo foi desenhado. Depois fomos fazer o banco. O banco era muito pequenino, de propósito. O Artur tinha cinco segundos para chegar ao pé de mim. Era o tempo da máquina..." 
 
Texto escrito por Rita Martins, Serviço Educativo do Museu.
 
in, 
HELENA ALMEIDA: A MINHA OBRA É O MEU CORPO, O MEU CORPO É A MINHA OBRA
SERRALVES | Museu de Arte Contemporânea | Roteiro da Exposição
 
ESPAÇO INTERIOR (ou será exterior ?!...)
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ESPAÇO INTERIOR (ou será exterior ?!...)

Serralves | Museu de Arte Contemporânea Exposição Helena Almeida A minha obra é o meu corpo, o meu corpo é a minha obra

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