Cristina Tavelin's profile

Matéria: Uma bússola para a responsabilidade social

Após quase seis anos desde o início de sua construção, finalmente a ISO 26000 será publicada no segundo semestre de 2010. A norma, desenvolvida pela International Organization for Standartization, tem lançamento previsto para dezembro e o objetivo de servir como um guia internacional de práticas responsáveis para as empresas.
 
Com a participação ativa da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), o Brasil tornou-se o primeiro país em desenvolvimento a liderar a elaboração de uma norma técnica internacional, ao lado da Suécia, onde o Swedish Institute of Standardization (SIS) concentra o maior fórum mundial de discussão sobre Responsabilidade Social. A concepção fundamental da diretriz foi baseada nos preceitos da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e em documentos do Global Compact, GRI, Instituto Ethos e AccountAbility.
 
“São mais de quarenta mil citações sobre a ISO 26000 em diversos idiomas e esse destaque é importante para a imagem do País. O Brasil nunca tinha presidido uma norma ISO e, agora, essa posição desperta para a importância da normatização como instrumento, inclusive, de comércio”, avalia Aron Belink, secretário-executivo do Grupo de Articulação das ONGs Brasileiras na ISO 26000.
 
Nesses seis anos de discussão, questões polêmicas foram abordadas em sete grandes reuniões internacionais – Salvador (Brasil) e Bangkok (Tailândia), em 2005; Lisboa (Portugal), em 2006; Sydney (Austrália) e Viena (Áustria), em 2007; Santiago (Chile), em 2008 e Quebec (Canadá), em 2009.
 
“Embora o conceito de Responsabilidade Social tenha evoluído, as bases dele ainda não estavam definidas. Alguns fundamentos não eram consenso dentro dos grupos de discussão e foi espetacular conseguir gerar uma massa crítica para definir assuntos que a sociedade toda discutia”, avalia o brasileiro Jorge Emanuel Cajazeira, presidente do Comitê Mundial da ISO de Responsabilidade Social e gerente-executivo de Competitividade e Estratégia Operacional da Suzano Papel e Celulose.
 
A ideia de construir uma diretriz de Responsabilidade Social para as empresas surgiu em 2002, quando o Comitê de Políticas aos Consumidores da ISO (COPOLCO) concluiu que a instituição poderia liderar o desenvolvimento de padrões internacionais de RS. “Já existiam as normas 14000 (de meio ambiente) e 9001 (para questões de qualidade) que continham aspectos de RS, mas o Comitê cobrou uma norma orientadora específica para o tema”, destaca Ana Paula Grether Carvalho, representante da Indústria na delegação brasileira do grupo de trabalho internacional da ISO 26000 e coordenadora do Balanço Social da Petrobras.
 
Em 2003, formou-se, então, um conselho estratégico, que desenvolveu o documento base The New Work Item Proposal, votado e estabelecido em janeiro de 2005.   Já nessa primeira proposta definiu-se que a norma seria de adesão voluntária e não se constituiria em um padrão certificável, aspecto que gerou muita discussão, posteriormente, entre os diversos grupos de stakeholders. Para Belink, a norma se propõe como orientadora e ponto de convergência entre temas variados e não mais uma certificação.
 
“Não se acha um documento que tenha articulado em si temas como direitos humanos, questões de diversidade e de meio ambiente – são assuntos que estão na agenda da sociedade hoje, mas de forma fracionada”, ressalta. Em reunião realizada no mês maio, em Copenhague, foram finalizados os últimos pontos de discussão – os key topics – que apareceram em função dos comentários e da votação do DIS (Draft International Standard), um “rascunho” da versão final. Segundo Ana Paula, a norma demorou um ano a mais do que o previsto para ser publicada porque, entre 2007 e 2008, sofreu um atraso na versão preliminar ao DIS por dificuldades nas negociações.
 
Construção de consenso
 
Estabelecer um acordo entre países e diversos setores da sociedade foi um dos grandes desafios na construção da ISO, devido às diferentes formas de entendimento e preocupações relacionadas à Responsabilidade Social. "O debate em torno das estratégias comerciais, por exemplo, é gigantesco, e por isso é vital que as diretrizes sejam mundiais, sobretudo porque as normas ISO, de acordo com a OMC, podem ser utilizadas para orientar relações comerciais internacionais”, avalia Cajazeira. Para solucionar os conflitos, a ISO 26000 passou por um processo inédito, o debate multistakeholder.
 
Segundo Belink, o fato de se trabalhar prevendo mecanismos e formas de debate que envolvam diferentes grupos sociais é extremamente positivo, ágil e eficaz para tratar temas complexos, mas também representa um desafio, na medida em que chegar a um acordo entre as partes interessadas requer muita discussão. O preparo e a condição de cada stakeholder são, portanto, fundamentais para se chegar ao consenso.
 
“Para realizar plenamente o potencial e o valor desse processo é necessário atentar para a qualificação e disponibilidade dos envolvidos. Fazer reuniões eventuais e depois tomar as decisões de uma maneira arbitrária não leva além de um nome bonito. É preciso construir mecanismos para chamar a atenção e garantir o envolvimento e a priorização dos temas pelos stakeholders”, avalia.
 
A discussão sobre o fato da norma de Responsabilidade Social não ser certificada – aspecto que, para os mais céticos, fará com que não seja incorporada pelas empresas de forma significativa – foi outro tema recorrente nas reuniões da ISO. E embora tenha-se optado por uma diretriz normativa não certificável, o presidente do comitê mundial não descarta a possibilidade disso ocorrer no futuro.
 
“Desde a primeira versão ela foi destinada a orientar e tirar dúvidas, algo optativo. Vamos esperar três anos, ver como as empresas aderem e qual será o impacto na sociedade, para depois pensar em torná-la, quem sabe, uma especificação”, propõe Cajazeira.

Ainda assim, há quem aposte na eficiência da ferramenta. Para Ana Paula, da Petrobras, um bom exercício seria compará-la ao mundo acadêmico. “A norma sobre monografia, por exemplo, não possui um selo específico, mas tem o reconhecimento das instituições de ensino”, destaca.
 
Inserção nas empresas
 
Inúmeras diretrizes são seguidas por corporações de todos os níveis que, em grande parte, aderem também a outras ferramentas e processos, como o de relato das ações de sustentabilidade. Diante desse cenário já complexo, a introdução de uma nova norma seria uma grande dificuldade para as empresas?
 
Segundo Belink, não, pois a ideia da ISO não é entrar em conflito com tratados, convenções internacionais e outras normas já ratificadas. “A ISO busca harmonizar as orientações de Responsabilidade Social acordadas internacionalmente, com base especialmente na Declaração Universal dos Direitos Humanos e nas convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT)”, ressalta.
 
Antes de seu processo de construção, outros norteadores, como a série NBR 16000, já destacavam questões de Responsabilidade Social, mas, segundo Cajazeira, diversas empresas esperavam por algo mais concreto. “Algumas corporações disseram ‘vamos esperar o conteúdo dessa norma porque ela é mais definitiva’. Isso é um fato. O que vai acontecer de agora em diante é que as normas nacionais serão realinhadas à ISO 26000, sobretudo as mais antigas, que deverão passar por um processo de revisão”.
 
De acordo com José Humberto Silva, especialista da área de Responsabilidade Social da Caixa Econômica Federal – uma das participantes da discussão da ISO –, a norma será avaliada e seguida nos pontos onde a empresa descobrir a necessidade de aprimoramento, a partir de sua leitura. “Desejamos aplicar o que há de melhor em Responsabilidade Social e, para isso, vamos avaliar a norma e adaptá-la à nossa gestão. Mas a padronização é excelente, pois podemos olhar para o que já temos em RS, ver o que falta e adaptarmos em conformidade com a ISO”, avalia.
 
As corporações que desejarem informar publicamente a adoção da diretriz poderão fazer autodeclarações do tipo II, como aquelas usadas para identificar o uso de material reciclado ou de produtos que não contém CFC.  Para acompanhar o processo, após a publicação da norma, em dezembro, a ISO manterá um grupo com essa finalidade, com Cajazeira na presidência. “Já foi aprovada a ideia de se manter um núcleo vivo para atualizar e acompanhar esse andamento, por meio de workshops internacionais. Daqui a três anos, o plano é realizar um grande encontro internacional sobre o tema”, destaca.
 
Na Petrobras, os norteadores da ISO já têm sido aplicados às novas ações da empresa. “Tivemos acesso às discussões e trouxemos para dentro da corporação essa expertise, os temas e as principais orientações. Hoje, estamos trabalhando os requisitos de excelência em RS, já alinhados ao conteúdo da norma”, destaca Ana Paula.
 
De acordo com Silva, da CEF, a ISO 26000 se presta a facilitar o processo de incorporação da RS nas companhias. “É um instrumento de padronização que estimula as praticas responsáveis e mostra, ao mesmo tempo, o que se faz em RS dentro da companhia. Ela chega para nos ajudar a responder se estamos, de fato, praticando a Responsabilidade Social” – conclui.
 
Princípios de Responsabilidade Social estabelecidos na ISO 26000:

- accountability
- transparência
- comportamento ético
- respeito e consideração aos interesses dos stakeholders
- cumprimento das leis e normas internacionais
- universalidade dos direitos humanos
 
Temas tratados na norma:

- governança organizacional
- direitos humanos
- práticas trabalhistas
- meio ambiente
- práticas operacionais justas
- questões dos consumidores
- envolvimento com a comunidade e seu desenvolvimento
Matéria: Uma bússola para a responsabilidade social
Published:

Matéria: Uma bússola para a responsabilidade social

Matéria produzida para a Revista Ideia Sustentável.

Published: