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Crônica - Par Perfeito

PAR PERFEITO
Por Lucas Miolla
           
Começa uma grande história de amor. Eles são apaixonados por brincar. Os meninos resolveram improvisar um gol na quadra de areia com pares de chinelos emprestados. Porque pelada sem gol, não dá! A tardezinha de sábado estava perfeita para uma partida com os colegas da vizinhança. Então foi só colocar duas sandálias de dedo aqui e duas acolá para apitar o árbitro.
            Era envolvente observar como cada qual desempenhava bem sua função. No gol, ficava o grandalhão. Na zaga, os bons amigos. No meio de campo, os leva e traz. O que tivesse o corte de cabelo mais moderno era atacante.
            A grande final do campeonato do Jardim das Jardineiras era pura emoção. Os nervos estavam à flor da pele, a começar pelas mães que já gritavam os nomes dos filhos para que voltassem para casa, ameaçados de levar uma coça. Só que muito mais porque estava tudo empatado. Quando uma pelada fica 2 a 2, 4 a 4, 20 a 20, no último minuto, é como se fosse zero a zero. Então o piá do cabelo raspado nas laterais deu o toque para a última jogada, voltou daqui, pedalou de lá, costurou, deu pinote, driblou a vaca, deu o chapéu do vovô e se empolgou! Gou?! Não, não foi gol! Ele chutou forte demais, o filho da Jurema, e a bola caiu atrás do muro!
            E agora? Futebol sem bola não dá! “Pelada sem a redonda é um verdadeiro amor impossível”, dizia o olhar lamentado do baixinho magrelo, levando as mãos à cabeça com a boca franzida. E foi parar logo aonde? Na casa do vizinho com cara de chupa-cabra!
            O menino ali aprendia desde cedo que tem coisas na vida que nasceram pra estar juntas. Ele era novo demais pra ter ouvido “Fico Assim Sem Você” no auge dessa música, mas entenderia o que é avião sem asa e fogueira sem brasa. Bateria o pé se namorasse sem beijinho. Ou se no romance de seu Romeu e Julieta a goiabada deixasse o queijo sozinho.
            Isto é, as partes formam um todo. Partes diferentes, e nisso vigora a beleza: as diferenças nos tornam mais interessantes. O preto deixa o branco ainda mais belo, e o verde de nossa bandeira ficaria triste sem o amarelo. E cada um de nós, cada qual com sua essência, cada qual com sua beleza, é parte de um todo.
            O vizinho cara de chupa-cabra sabia, e devolveu a bola com toda a simpatia. Ainda por cima fez três embaixadinhas e conquistou a molecada.    Futebol e bola já podiam namorar de novo. Portanto, abra-se um largo sorriso para as diferenças. O que não está em nós, muitas vezes nos completa. 
Crônica - Par Perfeito
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Crônica - Par Perfeito

Crônica escrita para a edição #16 da Revista Très. Texto: Lucas Miolla Ilustração: Rafael Loureiro

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