Minha mãe é órfã. Foi mandada para um orfanato quando tinha apenas sete anos junto com a irmã mais nova dela. Isso foi nos anos 70 então a instituição era violenta e ela apanhava muito das freiras que mandavam no local.

Minha tia foi adotada. Por mais que minha mãe tenha ficado feliz pela irmã ter arranjado uma família, ela não gostou de ter sido separada; de não ter tido o mesmo destino da irmã. Minha mãe então pediu que ela não fosse adotada. Ela decidiu que ia ficar no orfanato até completar a maioridade.

Junto com as amigas dela, minha mãe permaneceu trabalhando no orfanato até finalmente completar a maioridade. Depois disso, ela e suas amigas foram ganhar a vida e passaram a morar juntas. Minha mãe trabalhava em uma creche enquanto conciliava com os estudos.

Na faculdade, minha mãe conheceu o meu pai. Meu pai se apaixonou perdidamente por ela. Minha mãe, muito tímida, aos poucos também foi se apaixonando pelo meu pai. Na época meu pai ganhava bem e se ofereceu para pagar a faculdade da minha mãe. Minha mãe não quis. Uma mulher preta, orfã, que apanhava no orfanato e que teve que aprender a se virar desde muito cedo não podia simplesmente deixar um homem pagar a faculdade para ela. Não mesmo!

Meus pais começaram a namorar e logo meu pai quis apresentar ela para os meus avós. Minha família por parte de pai são todos espanhóis então tem um viés bem racista em sua estrutura. Quando meu pai disse que minha mãe era preta, minha vó ficou preocupada. Quando minha avó finalmente viu minha mãe, disse para o meu pai que ela não era tão preta assim, logo não era o problema que ela achou que seria.

Mesmo recebendo muito amor dos meus avós, minha mãe ainda sofreu racismo dentro da família. Mas a mulher é tão forte que ela não se importava com isso. Ela se importava com o meu pai e depois com os dois filhos que viriam a nascer.

Quando a minha irmã nasceu, meus pais passaram por um dos momentos mais conturbados da vida deles: minha mãe teve uma depressão pós parto extremamente profunda, onde ela mal conseguia levantar da cama. Ela não tinha forças nem para amamentar a minha irmã. Nesse período, minha mãe tentou suicídio duas vezes. Mas ela não estava sozinha. Meu pai e meus avós estavam sempre ali para ela, sempre tentando ajudar da melhor maneira possível. Às vezes meu pai simplesmente colocava minha mãe no carro e dava voltas com ela pela cidade, para ela sair de casa um pouco e ver coisas diferentes.

Meus pais se mudaram de casa e as coisas foram se ajustando até que minha mãe finalmente melhorou. Depois disso, ela engravidou de mim. Houve medo e apreensão de que ela passasse pela mesma coisa que passou quando minha irmã nasceu, mas felizmente nada disso se repetiu.

Quando eu nasci, na maternidade, simplesmente entregaram uma criança preta para minha mãe. E mesmo ela falando que o filho dela era branco, ainda insistiram dizendo que aquele era sim o filho dela. Depois de uma reclamação que o meu pai teve que fazer, eu finalmente fui entregue a minha querida mãe e lá estava eu dando o ar da graça.

Quando minha mãe estava comigo no colo, algumas pessoas que passavam pela rua de casa perguntavam quem era a mãe da criança. Minha mãe falava que ela era a minha mãe e, sem graça, essas pessoas tentavam se justificar dizendo que era porque eu era muito branquinho. Minha mãe apenas falava que era porque o pai era branco.

Minha mãe é a mulher mais guerreira que eu conheço. Uma mulher preta e órfã; que teve que se virar desde cedo; que teve que aturar gente racista dentro e fora da família; que passou por uma depressão profunda; e que teve que matar um leão por dia para dar o melhor para os filhos. Como não admirar essa mulher? Mãe, você é a mulher mais incrível que já pisou na terra e a cada dia que passa meu amor e admiração por você cresce cada vez mais. Te amo incondicionalmente.
Minha mãe, eu, e minha irmã em 2001, no antigo parque Duque de Caxias, em Santo André. O que eu mais gosto nessa foto é o sorriso da minha mãe.
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