Em sociedades primitivas, quando o homem era apenas um caçador-coletor, as obrigações eram divididas por gênero e todo o grupo tinha um único interesse em comum — que, por sua vez, era o único tópico que promovia a união desses seres tão diferentes -, a sobrevivência. Era ela quem importava, não existiam lucros, cargos em empresas ou objetos de desejo que precisavam ser consumidos. Nessa época o homem podia conciliar trabalho e lazer, afinal não estudava e só precisava caçar para garantir o sustento do seu “bando”.

Com as grandes revoluções industriais, os contratos sociais evoluíram para uma sociedade capitalista, não mais composta por caçadores-coletores, mas sim, estruturada e desenhada por vendedores e potenciais compradores. Aqui, a fetichização da mercadoria , ou seja, a atribuição da “felicidade” a objetos inanimados ganha força, o lazer do homem moderno consiste em saciar o consumismo implantado pelas grandes empresas e suas propagandas românticas.

Todo o resto serve como “escada” para que o desejo seja finalmente saciado: você estuda para conseguir um trabalho legal, que pague bem e seja bem visto perante os outros. Ao conseguir esse emprego você gasta todo seu tempo e energia, produzindo e entregando ao seu patrão, de forma quase que industrial, o resultado de todo seu esforço. Em troca, recebe um salário que não condiz com todo esforço empenhado, mas isso já não importa. O processo capitalista também cuida disso, o consumismo aliena e gera um efeito narcotizante em seus adeptos: você não critica e não questiona o valor do seu trabalho, afinal, você tem o suficiente pra sobreviver e comprar aquele tênis, produzido com mão de obra escrava, que você viu em uma propaganda dias atrás.
O homem moderno consegue conciliar estudo, trabalho e lazer porque no fim, todas essas coisas giram em torno de um único “sol”: o capitalismo. O estudo já não visa o conhecimento verdadeiro ou a “saída da caverna” proposta por Platão, a educação moderna não nos ensina a pensar — se ensinasse, provocaria a falência daquilo que prega -, as salas de aula são salas de treinamento para o mercado de trabalho, cada vez mais competitivo e exigente. Quando conseguimos finalmente uma carteira de trabalho assinada nos sentimentos felizes, temos nosso momento de lazer, finalmente. No final do mês receberemos um salário que não condiz com todo o esforço que empenhamos, mas serve para sobreviver de forma básica e para satisfazer algum desejo supérfluo difundido pelas engrenagens do capitalismo.

Caçadores-coletores viviam melhor do que o homem do século XXI? Difícil dizer, existiam ameaças, predadores, mortes violentas e disputas por territórios, mas naquela época não existia exploração de mão de obra, desigualdade social e de oportunidades e nem legitimação de violência por órgãos que, originalmente, surgem para nos proteger. A expectativa de vida de um caçador coletor era baixa, a de um homem moderno? Nem tanto. O sistema precisa que, de certa forma, suas ferramentas durem bastante.

No fim, o capitalismo é sobre isso: oferecer mais anos de vida com menos condições de existência digna.

Concluído