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A vulnerabilidade dos moradores de rua do DF

A vulnerabilidade dos moradores de rua do Distrito Federal.
Segundo a Secretaria do Desenvolvimento Social (Sedes), há 2.130 moradores de rua no Distrito Federal.

Com a pandemia pelo Coronavirus, a população de rua no Distrito Federal aumentou 17,5% de 2020 para 2021, de acordo com relatório publicado pela Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedes). Com o aumento iminente do desemprego devido à crise que tomou conta do país com a chegada da Covid-19, dados do IBGE apontam que em 2021, no Brasil, haviam 15,2 milhões de pessoas desempregadas.

A partir de 1990, com a perda do dinamismo da economia nacional, o nível de informalidade do mercado de trabalho brasileiro se elevou. Para Targino e Vasconcelos (2015), o setor formal do mercado de trabalho é aquele em que existe algum tipo de contrato entre empregador e empregado. Esse contrato pode ser firmado por meio da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) ou do Estatuto do Servidor Público. Já o setor informal diz respeito aos trabalhadores que são privados de condições básicas ou mínimas de trabalho e proteção social.

A pandemia, nesse contexto, atinge com maior intensidade a população que vive na informalidade e reside em áreas precárias, ou seja, que tem rendimentos baixos e irregulares, sem acesso a água potável, moradia digna, sistemas privados de saúde e sistema de proteção social vinculado à carteira de trabalho assinada, como férias, salário mínimo, 13º salário, Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), licença-maternidade, licença médica e seguro-desemprego. Esses trabalhadores cumprem extensas jornadas de trabalho e dificilmente conseguem acessar linhas de financiamentos para o exercício legal da atividade (Krein & Proni, 2010). Em 2009, a informalidade no Brasil ultrapassava os 50%. Em 2017, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), estava em torno de 40,8% (ver Tabela 1).
A questão da população de rua está relacionada ao capitalismo excludente que ocasiona o processo de exclusão social e a pobreza. A própria evolução do capitalismo possibilitou deslocamentos migratórios em função da busca de emprego e renda, dando origem ao fenômeno social “morador de rua” e “população de rua”. A pessoa moradora de rua passa por uma situação de extrema vulnerabilidade social, no limite da exclusão social, da desfiliação social e da pobreza, sem ter a garantia do mínimo para sua subsistência, além de uma série de outras questões sociais, políticas e econômicas a que estão sujeitas. Sendo assim, a globalização e o avanço tecnológico, que têm alcançado as diferentes sociedades contemporâneas, têm gerado consequências negativas, configuradas na reprodução de desigualdades sociais e na falta de garantias sociais para grande parcela da população. Neste início do século, constata-se que a civilização não foi capaz de constituir um pacto que trouxesse melhorias sociais. A desigual distribuição de bens sociais, a discriminação, o desrespeito às diferenças, a incerteza, a involução de valores não são anomalias, mas constituintes do pensamento globalizado e do processo econômico em curso. 
A vulnerabilidade das massas e, de forma mais aguda, a exclusão social de grupos específicos são resultados da desagregação progressiva das proteções ligadas ao mundo do trabalho. Consistem em processos de “desfiliação”, ou da fragilização dos suportes de sociabilidade. Nesse contexto, observa-se no Brasil um processo de diminuição do estado bem estar social. Essa tendência encontra terreno ainda mais fértil no Distrito federal que é responsável por fortes desigualdades sociais e por grande diferença nas condições de vida da população. Ou seja, no DF não houve uma efetiva constituição do estado de bem-estar social. Nesse contexto, insere-se a população em situação de rua. Grupo populacional heterogêneo, composto por pessoas com diferentes realidades, mas que têm em comum a condição de pobreza absoluta e a falta de pertencimento à sociedade formal. São homens, mulheres, jovens, famílias inteiras, grupos, que têm em sua trajetória a referência de ter realizado alguma atividade laboral, que foi importante na constituição de suas identidades sociais. Com o tempo, algum infortúnio atingiu suas vidas, seja a perda do emprego, seja o rompimento de algum laço afetivo, fazendo com que aos poucos fossem perdendo a perspectiva de projeto de vida, passando a utilizar o espaço da rua como sobrevivência e moradia, são os chamados “sobrantes”, pessoas normais, mas inválidas pela conjuntura, como decorrência das novas exigências da competitividade, da concorrência e da redução de oportunidades e de emprego, fatores que constituem a situação atual, na qual não há mais lugar para todos na sociedade.
REPRESENTAÇÃO SOCIAL
A teoria da representação social sugere uma articulação entre o psicológico e o social, analisa os inseparáveis: sujeito, objeto e sociedade. No aspecto psicossociológico proposto por Moscovici, os indivíduos não são somente processadores de informações, mas pensadores ativos que “produzem e comunicam incessantemente suas próprias representações e soluções específicas para as questões que colocam a si mesmos” (MOSCOVICI, 1984a, p.16 apud SÁ, 1995, p.28).

As representações sociais referem-se, segundo Moscovici (1996, p. 22), a “formas de conhecimento socialmente elaborado e partilhado, representantes de uma visão prática e concorrente na construção de uma realidade comum a um grupo social”. Ainda que distanciado do conhecimento científico, as representações sociais tratam de um saber de senso comum, não só por sua importância nas influências mútuas diárias e na vida social, mas, por suas vinculações com as afinidades por meio de práticas discursivas. Ao discutir as raízes de uma representação social, Moscovici (2003, p. 344) afirma que “nós absorvemos representações sociais, começando na infância, juntamente com outros elementos de nossa cultura e com nossa língua materna”, o que é demonstrado em sua concepção na linguagem, bem como em outras formas de cultura.

Um primeiro esboço formal do conceito de representação social nos é colocado por Moscovici, que atesta que as representações coletivas não dariam conta da complexidade das sociedades modernas, cuja realidade social é desafiada frequentemente pela presença do novo, do estranho, do não familiar. Esses fenômenos de origem e domínio diversos determinam um novo entendimento. Logo, conclui-se que “o propósito de todas as representações é o de transformar algo não familiar, ou a própria não familiaridade, em familiar” (MOSCOVICI, 1984, p.23 apud SÁ, 1995, p. 35). Diante dessa afirmação, as representações sociais têm duas funções: a primeira, padronizar os objetos ou as pessoas, dando-lhes certa forma e localizando-as em classes peculiares, que são comuns por grupos sociais. Desse modo, ao descobrir novos objetos, os indivíduos os posicionam em conjuntos conhecidos que possuam alguma afinidade com o novo elemento, ainda que não sejam corretamente acertados a esta categoria. Existe um empenho dos sujeitos para que as novidades se enquadrem e se assemelhem ao que já é conhecido, para que possam ser compreendidas. Moscovici (2007) também destaca que é possível que os indivíduos compreendam a influência das convenções na realidade, esquivando-se de algumas exigências sobre os pensamentos. Contudo, não é possível desprender-se de todas as combinações e de todos os preconceitos que fazem parte do dia a dia das pessoas.
A pesquisa realizada pelo PNAS no Distrito Federal tem como objetivo referenciar as ações do Sistema Único de Assistência Social do Distrito Federal (SUAS/DF). Para tanto, é imprescindível a identificação das áreas prioritárias de atuação das políticas públicas, partindo do cálculo do Índice de Vulnerabilidade Social das Regiões Administrativas e dos territórios. Essa pesquisa permitiu elencar os resultados e identificar as áreas que concentram população mais vulnerável, os chamados Territórios de Vulnerabilidade Social. Por fim, é apresentado um relatório que analisa os principais resultados da pesquisa no que diz respeito aos atributos pessoais, escolaridade, inserção no mercado de trabalho, características do domicílio e acesso a serviços. O Índice Paulista de Vulnerabilidade Social, IPVS, considera a noção de Vulnerabilidade social pela relação ativos/vulnerabilidade/estrutura de oportunidades, e afirma que esta tem sido adotada para a construção de indicadores sociais mais amplos, que não se restringem a delimitação de uma determinada linha de pobreza. No Brasil, há um bom exemplo nos estudos realizados pela Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados e Estatísticas (SEADE) e que resultaram na construção do IPVS. Para sua elaboração, a vulnerabilidade foi considerada uma “noção multidimensional, na medida em que afeta indivíduos, grupos e comunidades em planos distintos de seu bem- estar, de diferentes formas e intensidade” (SEADE, p. 15, 2001). Embora considere os fatores relacionados ao trabalho precário e a informalidade como componentes da vulnerabilidade social analisada na dimensão socioeconômica da pesquisa, o IPVS não trata de forma mais específica a vulnerabilidade social relacionada ao mundo do trabalho. Outro interessante estudo corresponde ao Índice de Vulnerabilidade Juvenil (IVJ), disponibilizado no site da Fundação de Sistema Estadual de Análise de Dados da Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Regional. Esta pesquisa, realizada no Município de São Paulo, considerou em sua composição os níveis de crescimento populacional e a presença de jovens entre a população distrital, frequência à escola, gravidez e violência entre os jovens e adolescentes residentes no local. Este indicador 5 varia em uma escala de 0 a 100 pontos, em que o zero representa o distrito com menor vulnerabilidade e 100 o de maior. As variáveis selecionadas para compor o índice são: taxa anual de crescimento populacional entre 1991 e 2000; percentual de jovens, de 15 a 19 Anos, no total da população dos distritos; taxa de mortalidade por homicídio da população masculina de 15 a 19 anos; percentual de mães adolescentes, de 14 a 17 Anos, no total de nascidos vivos; valor do rendimento nominal médio mensal, das pessoas com rendimento, responsáveis pelos domicílios particulares permanentes; percentual de jovens de 15 a 17 anos que não frequentam a escola. Segundo a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e Cultura (UNESCO), vulnerabilidade social é um resultado negativo da relação entre a disponibilidade dos recursos materiais ou simbólicos dos atores, sejam eles indivíduos ou grupos, e o acesso à estrutura de oportunidades sociais, econômicas e culturais que provêm do Estado, d o mercado e da sociedade. Acrescenta ainda que vulnerabilidade inclui situações de pobreza, mas não se limita a ela.
COMO AJUDAR?
As organizações não governamentais (ONGs) são entidades privadas da sociedade civil, sem fins lucrativos, cujo propósito é defender e promover uma causa política. Essa causa pode ser virtualmente de qualquer tipo: direitos humanos, direitos animais, direitos indígenas, gênero, luta contra o racismo, meio ambiente, questões urbanas, imigrantes, entre muitos outros. Essas organizações são parte do terceiro setor, grupo que abarca todas as entidades sem fins lucrativos (mesmo aquelas cujo fim não seja uma causa política). São exemplos de outras entidades do terceiro setor as associações de classe e organizações religiosas.
Para o acolhimento da população de rua, o DF oferece casas de passagem, abrigos institucionais, repúblicas e residências inclusivas. O Serviço Especializado em Abordagem Social, ligado à Sedes, conta com 200 profissionais, dos quais 140 circulam pelas ruas da cidade, divididos em 28 equipes. Esses grupos de trabalho fazem buscas ativas dos indivíduos, para incluí-los nas redes de atendimento e proteção social. O DF possui, ainda, 12 Centros de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) e dois Centros de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centros Pop).
Ainda sobre Organizações que apoiam e auxiliam as pessoas em situação de rua, existe a No Setor.
Conforme a missão do Instituto, “O Instituto No Setor é uma plataforma de transformação do centro de Brasília por meio da ocupação e da ressignificação do espaço público. Ainda enquanto coletivo cultural, o No Setor nasce no início de 2018, trazendo o Setor Carnavalesco Sul como o seu projeto inaugural. O primeiro carnaval integrado à comunidade que mora ou frequenta o Setor Comercial Sul (SCS) foi desenvolvido através da rede de conexões geracionais e culturais dos integrantes do grupo há anos no local. Desde o início, sempre atuamos em coparticipação com a dinâmica do Setor Comercial Sul realizando projetos que são demandas ora do território para o instituto, ora do instituto para o território, tendo como elemento central a humanização das relações.(...) À medida que o SCS é frequentado, o processo de gentrificação do local é inevitável, portanto, entendeu-se a necessidade de conviver e fortalecer os vínculos com a comunidade em situação de vulnerabilidade social do local, constituída primordialmente por homens de 30 a 59 anos e em situação de rua, que em muitas vezes sofre com o desamparo do estado e depende das organizações da sociedade civil para sua própria subsistência.”.
O fenômeno população em situação de rua é um dos mais complexos que podemos ver, pois nele há multifacetadas expressões da questão social. Uma série de fatores contribui para a rualização dos homens e mulheres que encontram nas ruas um lugar para viver e trabalhar. O desemprego, os desentendimentos familiares e a pobreza são alguns de seus determinantes. E, ainda que a pandemia possa ter colaborado para a sua ampliação, o seu fim não trará a sua erradicação, isso porque é a estrutura da sociedade capitalista que produz um grupo de pessoas aparentemente supérfluo, mas que compõe o que é substancial ao modo de produção, a superpopulação relativa.
O serviço prestado deve atender ao que os usuários necessitam, para que eles não precisem ficar nas ruas. O acesso à renda e à habitação são elementos que não podem faltar, assim como o acesso a programas de transferência de renda, e ao aluguel social são necessários; é importante, também, visibilizar estratégias para que essas pessoas acessem ao trabalho, que não seja precário e instável, como o desenvolvido nas ruas. Além disso, precisamos criar espaços públicos para que essas pessoas possam tomar banho, realizar sua higiene pessoal, guardar seus pertences, lavar e secar suas roupas, e isso não somente durante a pandemia, mas a longo prazo, enquanto houver pessoas vivendo em situação de rua
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