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Portfólio Lab. Expressão Tridimensional

Portfólio - Laboratório de Expressão Tridimensional
CORPO-POESIA 
INTRODUÇÃO
   O presente trabalho tem como propósito ser um portfólio de apresentação das obras tridimensionais realizadas durante o componente curricular Laboratório de Expressão Tridimensional, ministrada através da docente Manan Terra Cabo, no curso de Licenciatura em Artes Visuais pela Universidade Federal do Oeste da Bahia. Neste portfólio que se intitula Corpo-Poesia, estão reunidas obras tridimensionais que refletem a poética corpórea vivenciada pela próprio artista, que está constantemente imersa em pesquisas adentro do seu próprio corpo e dos seus familiares. As obras foram elaboradas com base na experimentação de diversos materiais, onde primeiramente abordamos a representação figurativa de um corpo humano através da escultura em sabão nas obras "Serenar" e "Aterrar", posteriormente observamos as formas tridimensionais totêmicas levantando o ideal Modernista através de uma escultura realizada em arame com "Santa Buceta", e por fim temos a elaboração de um Site Especificity em "Elixir da Vida".
APRESENTAÇÃO DAS OBRAS 
Serenar 
Serenar - processo criativo. Amanda Ayé Obìnrin Escultura, 2021.
      Representam o novo espírito que paira sobre a Terra, e ao mesmo tempo é impedido de estabelecer o seu primeiro contato com a Grande Mãe. Na obra “Serenar”, há uma representação de uma criança adormecida, a criança do novo tempo, a “geração pandemia”, sendo esta parte das crianças nascidas entre 2020 e 2021, em plena Pandemia Mundial pelo novo Corona Vírus - COVID19. Foram crianças impossibilitadas de poder viver e sentir a infância da maneira com que estamos tão habituados. Crianças que precisaram passar o seu primeiro ano de vida, um ano repleto de descobertas, e exploração de todos os sentidos através do toque e do contato social com outras pessoas, presas dentro de suas casas e apartamentos, sem poder tocar em nada e impedidas de experenciar o seu primeiro momento nesse novo corpo com a Terra, e que acaba tendo o seu único momento de exploração sensorial do mundo em que vive quando atravessa os limites do universo dos sonhos. 
Aterrar
         A obra “Aterrar” representa o pé da criança, o instrumento do seu corpo que fará possível o seu direcionamento através do mundo, com o qual consegue conectar a energia de todo o seu corpo com a força da Terra. Os instrumentos utilizados para a realização da escultura, foram apenas o sabão de glicerina em barra, e um canivete. O objetivo da representação da primeira obra é de ser vista na posição de cima, como se visse o corpo da criança adormecida, que tem em seu sono a possibilidade de sonhar e ir explorar esse mundo imagético como ela quiser. Já a segunda escultura, representando o pé da criança, apoiado na posição como quem pisa no chão, mas ao pisar nesse chão também é impedida de aterrar-se no solo, pois por estar reclusa em casa devido à Pandemia, não há uma troca de sentidos com a Terra, e sente apenas o chão da sua casa. 
Aterrar - processo criativo. Amanda Ayé Obìnrin. Escultura, 2021.
       O processo criativo de ambas as obras ocorreu de maneira bastante inusitada, pois a última vez que eu havia realizado uma escultura em sabão foi na disciplina de Artes na 5ª série do ensino Fundamental II, atual 6º ano. Houve uma certa resistência de início, ao estabelecer o primeiro contato com os instrumentos utilizados para a realização da escultura, sendo estes apenas o sabão de glicerina em barra, e um canivete. De início me senti um pouco perdida, sem saber como proceder com o processo de esculpir em pedra de sabão, mas assim que iniciei o processo de raspar a pedra. As formas tridimensionais foram se apresentando e consegui seguir o fluxo da criação das obras.
       Como as obras foram realizadas utilizando como base referencial um modelo vivo, no caso a minha filha que atualmente está com 1 ano e 4 meses, seguimos um ritmo de produção que levou cerca de 3 dias para que as peças estivessem completas, pois o único momento em que poderia ser feito o processo de esculpir a obra era quando a criança se encontrava dormindo em seu cochilo pós-almoço. Não foi difícil continuar a produção, seguindo dias diferentes a partir do momento em que deixei a obra esperando no dia anterior, pois a posição do sono era basicamente a mesma em todas as ocasiões.
      A obra em que eu tive mais dificuldade de produzir acabou sendo a primeira, pois por buscar representar o corpo inteiro da criança, o sabão acabava não oferecendo muitas possibilidades de consertar alguns equívocos que foram seguidos durante a sua confecção. Como a primeira obra deveria permanecer de pé, algumas vezes durante o manuseio do canivete na barra de sabão, não sobrava muito espaço para a divisão das partes do corpo, como exemplo o vazio entre as pernas, que acabava forçando o sabão que rachava ou quebrava por completo. No final da confecção, acabou que uma das pernas caiu e precisei buscar uma alternativa para manter a escultura de pé, já que também havia escavado muito a sua base e ela não consegui se apoiar sem o peso bem distribuído entre as duas pernas. A solução que encontrei foi de enfiar um pedacinho de ferro de um clipe na perna que havia caído e assim prender ela de volta ao corpo, o que acabou dando certo e ela ficou em pé.
Santa Buceta
Santa Buceta. Amanda Ayé Obìnrin. Escultura, 2021.
     Nesta obra, a vulva metálica representa a mulher cis e reconhece o seu corpo como um lugar sagrado. Essa mulher quando escolhe ser mãe acaba por gestar uma alma em seu ventre e, através do seu portal cósmico, popularmente chamado por “buceta”, vai parir todo e cada ser humano que hoje habita neste planeta Terra, sendo que o próprio Jesus Cristo, maior referência de ser sagrado que temos dentro da religião do cristianismo precisou que uma mulher lhe colocasse no mundo. 
      Na obra “Santa Buceta”, há uma representação da vulva da mulher, modelada em um fio de aço, material que ao mesmo tempo parece ser delicado, mas que é rígido, e difícil de ser modelado. O aço, grande representante do modernismo – de maneira simbólica – tem intrínseco na sua composição um caráter do masculino, que trás o poder, o seu domínio sobre o material e, nesse caso sobre a própria mulher e o seu corpo, quando observamos a lógica do sistema patriarcal em que a nossa sociedade se compõe. A vulva metálica se expande e chega a ficar de pé sobre os seus próprios ovários, que aqui encontram-se na posição invertida, formando espirais onde representam os ciclos eternos por quais perpassam as vidas das mulheres. Nesta obra, produzida por uma mulher cis, espelhando-se no conceito de verticalidade onde a tentativa de abstração que se assemelha a figuração humana, da santa que fica de pé coberta por seu manto, é exaltada a divindade e sacralidade feminina através de um totem que trás o seu próprio culto à feminilidade: a santa buceta.
Santa Buceta - processo criativo. Amanda Ayé Obìnrin. Escultura, 2021.
      O processo criativo dessa obra acontece quase como uma epifania, onde a partir do lugar em que me encontro atualmente, com sede de autoconhecimento me permito reconhecer como habitante do meu próprio corpo e também o percebo como um sagrado templo, que me permite o acolhimento, a introspecção, a reflexão, e também a partilha, a comunicação, a diversão, a sacralização dos inúmeros universos que ocupam o prazer e a dor. A construção da tridimensionalidade dessa obra acontece ao observar o meu próprio corpo como modelo vivo de outras obras construídas por mim, em desenho e pintura por exemplo, em que represento a minha própria vulva como o portal cósmico que ela é. Todo o processo de criação aconteceu de forma bastante intuitiva. De início, houve a procura do material a ser representado, onde pensei em construir um Ready Made, mas ao buscar por opções de materiais para trabalhar, encontrei alguns arames, e pensei em ressignificá-los a partir desse local de representação figurativa de uma “buceta” que também fosse “santa”. Ao começar a manusear o fio de aço senti um choque, que me fez refletir diversos aspectos subjetivos sobre a construção da “vulva metálica”. Senti a brutalidade do material, e me assustei pois por ser muito fino achei que seria muito fácil em ser modelado, e logo assim de cara não foi. Senti o peso do poder no metal, sendo representado simbolicamente como o poder do masculino sobre o feminino, que oprime, controla, é duro, grosseiro. E, ao mesmo tempo como mulher que consegue impor a sua força para transformar o aço em uma vulva, senti o poder de resistência de todas as outras mulheres do mundo que lutam por sua vida, por seus direitos, por sua voz diante desse sistema que sempre tenta nos calar/ controlar, por todas as regras que nos são impostas sobre o que devemos vestir, ou como devemos agir, ou até como devemos ser. Senti o desejo que pulsa latente, no ventre e em cada célula do corpo ao compreender a dimensão que é habitar-se.
        Nesta representação totêmica, podemos relacionar também o seu aspecto figurativo com as definições da autora Rosalind Krauss em seu livro Caminhos da Escultura Moderna, onde a mesma relaciona o totem com um "lugar de simplesmente ressuscitar o primitivismo superficial de suas formas originais" (KRAUSS, p.190), percebemos uma das características principais que relacionam as figurações em totem, que é a sua verticalidade, onde através dos "ovários" que surgem como suporte da escultura, a nossa simbologia santificada é capaz de permanecer em pé. Também é possível relacionar com os apontamentos feitos por Krauss com o trabalho produzido por Gabo e Pevner, onde ambos utilizam da "ausência" de matéria para representações simples e sucintas das suas obras, onde através da transparência utilizada na simplicidade dos matérias o objeto é percebido com mais clareza pelo espectador, fazendo com que "nessa única visão, a experiência do tempo e do espaço, é ao mesmo tempo, sintetizada e transcendida" (KRAUSS, p.76).
      
Elixir da Vida 
Elixir da Vida. Amanda Ayé Obìnrin, Escultura, 2021.
     Na obra “Elixir da Vida” há uma representação do sangue menstrual da mulher como uma poção de cura e vitalidade. A palavra “elixir” tem em seu significado a definição de ser uma bebida saborosa, balsâmica, onde no caso da obra, há um resgate à práticas milenares que consideravam esse sangue como algo sagrado, em que, por culpa à tirania da religião patriarcal que demonizou todas as coisas relacionadas às mulheres e as marcou como pecadoras originais utilizando da vergonha como uma ferramenta de controle, fez o sangue menstrual ser considerado pecaminoso, vergonhoso e impuro. Inclusive, muitos dos sintomas negativos do ciclo menstrual que experimentamos são o resultado de não seguir nosso ritmo interno e as mensagens que o corpo está enviando sobre nossas necessidades. 
     O sangue da menstruação é projetado para nutrir e dar vida a si mesmo. É tão sagrado e poderoso quando usado em cerimônias e é tão vital que tem a capacidade de curar. Culturas antigas que entendiam isso, eram conhecidas por usar o sangue menstrual como bebida para pessoas que estavam doentes e como bálsamo para curar pessoas, animais e plantas que estavam em declínio. As células-tronco ativas contidas em nosso sangue de vida são usadas no tratamento médico padrão em culturas milenares de povos originários. Nosso sangue fértil é ouro líquido. Carrega em suas células todas as nossas informações genéticas, que incluem memória, pontos fortes e conhecimento. Carrega toda a linhagem ancestral que nos criou. As culturas antigas costumavam colocar esse sangue no terceiro olho para ativação dos chakras, possibilitando ampliar a percepção das mulheres pra essas informações pessoais, ancestrais e multidimensionais. Costumavam também derramar o seu sangue na terra como uma oferenda de gratidão à Grande Mãe, que por ser o único sangue que não vem a partir da violência ajuda a nutrir o solo em toda a sua potência como elixir.

Elixir da Vida. Amanda Ayé Obìnrin, Escultura, 2021.
   O processo criativo ocorre desde o momento de preparação do próprio corpo que doa o seu sangue para ser transformado em arte, ao escolher a representação das 4 fases hormonais da mulher, na qual ela transita todos os meses durante a sua vida fértil, em que em cada fase é simbolicamente expressa em um dos vasos de vidro que guardam o “elixir”. A produção artística utilizando o meu próprio sangue menstrual não é algo novo em minha carreira artística, pois em vários outros momentos onde encontro-me durante o período de lunação (menstruação) utilizo do potencial criativo do meu sangue para pintar telas, criar vídeo-arte e performances. 
      A obra o Elixir da Vida, tem a sua construção durante vários processos, tendo a sua principal característica como uma arte efêmera, de caráter transitório, passageiro. Como teorizado por Krauss, nesse caso particular, o próprio ambiente acaba “teatralizando” a obra pois ela necessita da intervenção do espectador para a sua concretização, onde através do seu caráter "infinitamente maleável" ocupa um espaço que nasceu em meio ao movimento modernista de perda de lugar, onde a escultura acaba tornando-se um "monumento em abstração".  A obra realizada se encaixa na definição da poética de Site Epecificity, onde ela precisa estar imersa em determinado lugar específico para a sua realização, pois se não estiver no lugar escolhido ela não tem sentido, devido a troca experiencial que a obra precisa viver para a sua concretização.
Elixir da Vida. Amanda Ayé Obìnrin, Escultura, 2021.
       A realização da obra ocorre em vários processos, sendo o seu primeiro momento quando o sangue da mulher sai de seu corpo e entra em contato com o recipiente de vidro. Em seguida, ocorre a sua fundição com a água, elemento também considerado sagrado pois é de onde tudo e todos nascem, e é a essência que mantém a vida na própria Terra, pois sem água não conseguimos sobreviver. Nesse instante há a junção de dois elementos que são pura potência vital. Depois temos a caminhada como processo artístico que acontece de forma lenta e gradual, quase como a entrada nupcial, (onde respeitamos a essência do líquido sagrado e agimos com cautela para que ele não derrame) em direção à praça pública, que é a partir da ocupação desse espaço ampliado que irá acontecer a intervenção no "espaço real da arquitetura". Em seguida, após o atravessamento de vários olhares curiosos e de estranhamento, posicionamos um recipiente em cada banco da praça, estes diretamente servindo de referência para uma árvore, reconhecida como o grande espírito ancestral da natureza, a quem o elixir será entregue como símbolo de gratidão, que é quando a obra tem o seu encerramento: ao nutrir a terra com o elixir da vida.
      O processo de criação dessa obra está muito relacionado também com aspectos subjetivos da própria artista que a define como um processo que chega a ser autobiográfico, pois o tema escolhido para ser representado como Site Specificity vem sendo trabalhado pela artista desde o início da sua carreira universitária, onde surgiram as inspirações de inquietações para a realização dos seus primeiros projetos onde tem principalmente o seu próprio corpo e identidade como mulher cis na construção das suas obras. 
© Todos os direitos reservados à artista Amanda Ayé Obìnrin.
Portfólio Lab. Expressão Tridimensional
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