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Grande reportagem sobre feminismo

Tirando os Tabus do Feminismo: Entenda a Luta e o Movimento
Há mais de 200 anos o Movimento Feminista vem ganhando força e lutando em prol dos direitos da mulher
POR DAYANE CINTRA
O movimento que começou a tornar as mulheres diferentes, elas finalmente podiam ser quem são, vivendo uma constante transformação de reconhecer-se como alguém com um papel fundamental na sociedade, lutando pelos seus direitos numa sociedade patriarcal. Há séculos indo em direção a igualdade por direito e cada vez mais tornando essa luta uma luta por todas. Feminismo — este é o nome dado ao movimento que teve seu início no século XIX, e uma de suas influências foi a Revolução Francesa, e as mudanças sociais que começaram a surgir naquela época.
Durante a Revolução Francesa, as mulheres daquela sociedade desempenhavam sua força de trabalho principalmente na costura, prataria, comércio de alimentos, mas sempre recebendo salários inferiores aos homens. E por meio de cartas e panfletos conhecidos como Cahiers de Doléances (caderno de queixas), reivindicavam direitos ao rei como melhor educação para as meninas; direito da mulher a propriedade; fim da tradição de primogênitos na herança e igualdade nas leis penais para ambos os sexos. O fato é que, essas mulheres tiveram atitudes e uma participação excepcional durante o processo revolucionário francês, sempre buscando o direito pela liberdade e igualdade, através de sua militância. Por mais que não tenham atingido êxito em todas as suas reivindicações, despertaram uma consciência política para as gerações de mulheres futuras, dando assim início as chamadas ondas feministas, que são acontecimentos históricos em que há uma onda de movimentos resultantes dos avanços libertários das mulheres.


Foto por John Olson
PRIMEIRA, SEGUNDA E TERCEIRA ONDA DO FEMINISMO
A primeira onda do feminismo aconteceu entre os séculos XIX e XX, e nesta fase da história, os deveres das mulheres se limitavam a cuidar da casa e dos filhos. Porém as mulheres queriam exercer direitos políticos assim como os homens, ou seja, em questões jurídicas e principalmente direito ao voto. Um dos movimentos fundamentais deste período são As Sufragistas, as chamadas feministas liberais que eram compostas por mulheres de classe média e alta, mas não representavam um todo deste período de transformações políticas e econômicas, as mulheres trabalhadoras tiveram papel fundamental, pois compunham a classe trabalhadora concentrada principalmente em fábricas têxtil, onde eram submetidas a péssimas condições de trabalho, e as mulheres negras que no mesmo período lutavam pelos seus direitos civis, e contra o racismo e a escravidão. Essa onda foi tão grande, que atingiu todo o mundo, e começou a surtir efeito em 1917 na Rússia, depois diversos países entre os anos 30 e 40. No Brasil as mulheres conquistaram o direito ao voto em 1932.
Reprodução
Na segunda onda do feminismo, a luta ia um pouco mais a fundo, o movimento abordava diversas outras questões até então não pensadas. Se deu início nos Estados Unidos na década de 60, e espalhou-se pelo ocidente e países de outros continentes.
Neste período houve uma amplitude maior de discussões, sendo elas mercado de trabalho, sexualidade, família, direitos de escolha reprodutiva, desigualdade de facto e legais, violência doméstica, estupro conjugal, leis de custódia e divórcio, além de lutar por abrigos para mulheres vítimas de violência.
Os acontecimentos que antecedem o movimento são os ensinamentos para a domesticação da mulher, o chamado baby boom, que trazia orientações para as famílias dos subúrbios e como ter um casamento ideal.
Os meios de comunicação da época davam muitos incentivos para que isso fosse consagrado em sociedade como, por exemplo, os programas televisivos Father Knows Best e Leave It to Beaver, além de cartilhas ilustradas ensinando as mulheres a como desempenharem suas funções em casa e como deveriam estar bem arrumadas e maquiadas para receberem seus maridos. Uma voz importante durante essa doutrinação foi a escritora francesa Simone de Beauvoir que em seu livro intitulado O Segundo Sexo traz todas as questões de como as mulheres são vistas em sociedade, e que não são apenas um sexo reprodutor, um segundo sexo. Isso foi um grande incentivo para o movimento de segunda onda do feminismo, que durou até o início da década de 80. 

American Studies Association
Em 1990 entramos na terceira onda do feminismo — acredita-se que teve início um pouco antes desta data —, como uma resposta a supostas falhas do movimento de segunda onda, onde era ressaltada as definições das mulheres de classe média-alta essencialistas na feminilidade. Entretanto essa terceira onda visa mostrar que as mulheres são de várias etnias, nacionalidades, religiões e culturas. Vem com um propósito de falar sobre o estupro, o patriarcado, a sexualidade, o empoderamento feminino (que tem origem no movimento feminista Riot Grrrl baseado na cultura punk), e expandir o olhar sobre um grupo diversificado de mulheres com um conjunto variado de identidades de gênero (a principal fundamentalista do conceito de identidade de gênero foi Rebecca Walker, com foco em ideias como a teoria queer, abolindo estereótipos de gênero). Em contrapartida, a psicóloga Carol Gilligan defende que há diferenças importantes entre os sexos, e que de acordo com o gênero, instaura diferenças socialmente.
A QUARTA ONDA JÁ EXISTE?
Até então não existe uma base teórica, acredita-se que a quarta onda do feminismo já exista, visto que há muitas mobilizações pelas redes sociais, dentre sites, coletivos feministas, grupos feministas formados para discussões de pautas frequentes como a representatividade da mulher na mídia, abusos no ambiente de trabalho e universidades, cultura do estupro, feminicídio e o não silenciamento a denúncia. O que se acredita como reivindicações são liberdade e igualdade.
VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER, FEMINICÍDIO E CULTURA DO ESTUPRO
Diferente do que muitos acreditam, a violência sofrida pela mulher vai muito além do que é pautado nas questões midiáticas. A violência contra a mulher é tudo que envolva lesões físicas, psicológicas ou sexuais, e que levam a morte. A socióloga e professora Ruana Castro explica que, a violência contra a mulher começa quando é instituído o patriarcado, ou seja, a sociedade comandada pelos homens, os patriarcas. E que isso acontece quando eles percebem que também fazem parte da procriação.
Os abusos não acontecem apenas por “indivíduos”, o Estado também é responsável por muitas das questões que envolvam a violência que a mulher sofre, como o aborto seletivo, infanticídio feminino, violência obstétrica, feminicídio, violência no trabalho. “A partir do momento que o patriarcado passa a vigorar, as mulheres são propriedade do homem, e a nossa lei desde o começo da história do Brasil mostra que elas não são mais donas de si próprias, são propriedades de seus pais e irmãos, e depois que se casam são propriedades de seus maridos”, disse a socióloga Ruana.
Há ainda aqueles que ocorrem em países de governos autoritários e em sua maioria muçulmanos, como crime de honra, feminicídio relacionado ao dote, mutilação genital feminina, casamento por rapto, casamento forçado, estupros de guerra, violência sexual e escravidão sexual durante conflitos, esterilização e aborto forçados, violência pela polícia e autoridades, apedrejamento e flagelação.
Existe a cultura em que a mulher é vista não somente como um objeto de desejo, mas de consumo. Ela serve para o trabalho, para o lar e para o sexo. E nos países do Oriente, as mulheres são submetidas a uma série de situações por causa do fator religioso, e pela religião ser oficial, o que não acontece no Brasil, por exemplo. A cultura do estupro e da violência se tornam maiores, pois a religião acaba se proliferando por meio da cultura. A política, entretanto, possui mais responsabilidade. Mas pela grande influência da religião, as leis acabam não avançando para proteger essas mulheres.
No ano passado, em evento da ONU, em Nova Iorque, Maria Fernanda Espinosa, presidente da Assembleia Geral das Nações Unidas, informou que 35% das mulheres em todo o mundo já sofreu violência física ou sexual. E que em 38% dos homicídios de mulheres, o assassino é o parceiro íntimo da vítima.
Já no Brasil, de acordo com um levantamento feito pelo Datafolha em fevereiro, revela que nos últimos 12 meses, 1,6 milhão de mulheres foram espancadas ou sofreram tentativa de estrangulamento. Nos casos de assédio, 22 milhões de brasileiras, violência doméstica 42%, e mais da metade dessas mulheres não denunciou o agressor. Em entrevista, R.C. relatou sobre a violência que sofreu em seu último relacionamento: “Começou com um namoro conturbado, ele era controlador, ciumento e sempre desconfiado. Mesmo ciente de comportamentos que eu não aprovava, me casei. Sofri agressões físicas e verbais, e ele sempre me prometia mudanças” e ressaltou: “Estava sendo sequestrada de mim, já não era eu mesma”.

Existe, hoje, no Brasil, a Organização Mapa do Acolhimento, que é uma plataforma onde conecta mulheres que sofreram algum tipo de violência com uma rede de terapeutas e advogadas que possam ajudá-las. Essa ONG surgiu em junho de 2016, e conta com colaborações e voluntários para ajudar no projeto. A psicóloga Lais Mendes explica: “O fato de uma mulher ficar presa a um relacionamento abusivo vai muito além de compreender o significado que a prende a esta situação. Em muitos casos existem filhos envolvidos ou, por exemplo, a mulher não possui independência financeira”.
Legislações sempre com base na religiosidade torna todos vulneráveis, entre eles, as mulheres, LGBT’s e negros. E principalmente setores que são mais inferiorizados na sociedade, e que estão a mercê de políticas sociais.

AFINAL, PRA QUÊ SERVE O FEMINISMO?
A sociedade matriarcal vê as mulheres como parte fundamental da sociedade, e nela os homens acreditam que não possuem participação na procriação, e que quem dá a vida a sociedade são as mulheres. Quando percebem que originam a vida em conjunto com as mulheres, instituem a propriedade privada como, por exemplo, a família nuclear que é composta por marido, esposa e filhos. Então a mulher passa a ser propriedade do homem, onde é comprada, vendida tanto pelo pai quanto pelo marido, se tornando não somente um objeto de desejo, mas de consumo. Sendo instaurado o patriarcado, o homem passa a ser uma autoridade acima da mulher, ela se torna inferior ao homem em todos os aspectos sociais, profissionais e pessoais.
Entretanto, não foi e não é apenas dessa forma que uma mulher é vista. Não há um momento na história em que as mulheres não tenham sofrido diversas formas de abuso, e mesmo com leis estabelecidas atualmente, nada mudou. Na Roma Antiga já existia a premissa de que, a mulher era submissa ao pai, e depois de casar-se seria toda a vida sujeita ao marido. A queima das bruxas que teve início no século XV, sendo perseguidas pela igreja e sociedade, também é outro exemplo. Há vários momentos na história que podemos falar sobre o quanto a mulher foi abusada sexualmente, psicologicamente, dentre muitas punições.
“O feminismo já lutou em várias guerras, e matou oponente nenhum. Suas batalhas têm sido pela educação, por melhores condições de trabalho, por mais segurança nas ruas, para cuidar das crianças, para o bem-estar social, para ajudar vítimas de estupro, refugiar mulheres e para reformar a lei. Se alguém me diz: ‘Oh, eu não sou uma feminista’, então eu pergunto: ‘Qual o seu problema?!”, disse Dale Spencer em seu livro Man Made Language.
Muito do que se acredita sobre o feminismo, é de que ele é sobre o ódio ao sexo masculino, mas não, a única relação do feminismo com os homens é sobre ter os mesmos direitos e liberdade que os homens. Poderem ser tratadas com respeito e dignidade, ter mais oportunidades de emprego, e ser remunerada igualmente por ele. É sobre não ter medo de andar na rua sozinha, ou ser assediada pela sua roupa. O feminismo é sobre umas lutando pelas outras.

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